por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 29.05.2021

Tem sido justamente reconhecido o contraste da resposta da União Europeia à presente crise, relativamente ao que foi a muito deficiente gestão da crise anterior.

De facto, na longa crise de 2008/2014, o próprio Banco Central Europeu, cuja atuação foi considerada crucial para evitar o colapso da zona do euro, tardou em reagir adequadamente às circunstâncias. Só no verão de 2012 o simbólico “whatever it takes” de Draghi marcou irreversivelmente o início do fim na crise do euro.

Desta vez, a União Europeia soube criar, tanto na esfera monetária como orçamental, condições – não ideais, mas certamente favoráveis – para ultrapassar, em comum, um desafio sem precedentes.

Entre essas condições esteve a derrogação das regras orçamentais, acionada logo em março de 2020, que veio permitir a indispensável margem de manobra para suportar uma resposta eficaz à pandemia e ao seu impacto económico.

Curiosamente, a derrogação destas regras surgiu pouco depois de a Comissão Europeia ter lançado (em inícios de fevereiro) um processo de revisão da governação económica, processo esse também interrompido para dar prioridade ao combate imediato à crise.

No entanto, a situação criada – com regras suspensas, mas que serão reativadas em moldes que ainda não são conhecidos – não deixa de ser ambígua e problemática para os governos das economias mais frágeis.

À orientação muito cautelosa seguida pelo Governo português, recorrendo de forma intensa a medidas sem impacto orçamental imediato – caso das moratórias e das garantias – não será alheia esta incerteza sobre o futuro enquadramento europeu.

Sabemos que não é pensável, económica ou politicamente, que as regras orçamentais sejam pura e simplesmente repostas em vigor, sem qualquer alteração.

Já em fevereiro de 2020 a própria Comissão Europeia apontava para aspetos que requeriam mudanças, nomeadamente a complexidade das regras; a dificuldade em serem politicamente assumidas a nível nacional; o caráter pró-cíclico das políticas que delas decorrem; o insuficiente foco na qualidade das finanças públicas, especialmente no que respeita ao investimento.

Não é possível, no entanto, antever qual será o alcance e o desfecho deste processo de revisão, muito sensível e potencialmente fraturante, mas incontornável.

Ainda que haja, no presente, preocupações mais urgentes, ainda que a derrogação das regras orçamentais vá ser prolongada por mais um ano, é tempo de começar a preparar bases sólidas para o futuro.

Daí a minha satisfação pelo facto da Presidência Portuguesa ter antecipado este debate, anunciando para 28 de junho uma cimeira de alto nível em Lisboa, reunindo responsáveis e especialistas europeus para iniciar uma reflexão sobre o futuro da governação económica europeia.

Esta é, sem dúvida, uma iniciativa a aplaudir, e será uma excelente forma para concluir com chave de ouro a Presidência Portuguesa.