por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 10.06.2023
As microempresas representam 96,2% do universo empresarial português, as pequenas 3,2%, as médias 0,5% e as grandes 0,1%. Com o passar do tempo, os números podem variar nalgumas décimas, mas a nossa economia tem estas características há muito tempo e, perante a nossa endémica falta de capital associada ao rolo compressor fiscal, não se vislumbra qualquer tendência que possa indiciar uma espécie de mudança a médio ou sequer a longo prazo.
O facto de termos um peso tão esmagador de microempresas tem várias consequências sobejamente documentadas – por vezes, baixa produtividade, reduzida capacidade de investimento, forte vulnerabilidade aos ciclos de mercado, baixíssima probabilidade de ter acesso a fundos europeus, etc.. Claro, há magníficos micronegócios geridos com enorme profissionalismo e dedicação. E outros que, sem atingirem esse patamar de excelência, permitem a quem os criou e desenvolve manter uma vida profissional estável e independente. Na verdade, a nossa vida não seria a mesma sem o trabalho e a oferta criada por estes microempresários.
Restaurantes, padarias, pequeno comércio, serviços que servem o bairro onde se encontram… na verdade estamos muitas vezes a falar de pessoas – pequenas famílias – que criam o próprio emprego e o mantêm com inegável resiliência e disponibilidade, faça chuva ou faça sol. Sendo Portugal um país com tantas empresas assim (96,2%) o natural seria, então, que as políticas públicas
tivessem isto em conta, procurando facilitar – ou, pelo menos, não complicar demasiado – a vida a estas pessoas que corajosamente, galhardamente, digo eu, enfrentam concorrência e mercado sem as estruturas de apoio que beneficiam negócios de maior porte.
E, no entanto, não é isso que acontece. Apesar do serviço que prestam, apesar da valiosa capacidade de iniciativa, a complexidade burocrática – já reparou no número de autorizações que um pequeno café tem de ter? – e o emaranhado fiscal a que estão sujeitos criam um atrito destrutivo na vida destes empresários. Como se isso não fosse o quanto baste para os pôr à prova todos os santos dias, o Estado consegue tornar tudo ainda pior e mais difícil, retirando a estes pequenos empreendedores a justa rede de proteção que mereceriam por direito e esforço próprios.
Quem está nos órgãos sociais duma destas empresas deixa automaticamente – incrivelmente – de ter acesso à proteção social de desemprego que beneficia todos os outros. Não há outra forma de o dizer: é uma regra imoral, desprovida de sentido prático.
Pior: o país ficou agora a saber que os trabalhadores que em relação ao sócio do restaurante, café, pequeno comércio, etc. sejam cônjuge, unido de facto, respetivos dependentes – ou ainda o pai ou a mãe solteiros e os dependentes a seu cargo, o adotante solteiro e os dependentes a seu cargo, os ascendentes ou descendentes até ao segundo grau (avós, netos ou sobrinhos) – para todos estes trabalhadores dos pequenos negócios, sobretudo familiares, o Estado não considera relevante que haja aumentos salariais (e mais IRS e mais contribuições para a Segurança Social). Pelo que os exclui do benefício da majoração do IRC que toca a todos os outros por efeito da subida dos salários acordada em Concertação Social.
A perversidade vai mais longe: o Estado, no afã de não incentivar o aumento salarial desta súcia de gente abastada, chega ao extremo de unir o que os divórcios já separaram, excluindo os ex-cônjuges e, pasme-se, até os filhos (os enteados, como se costuma dizer) de ex-cônjuges.
Pergunto: então os aumentos de salários destes proscritos não resultam também em mais receita de IRS e em mais fundos para a Segurança Social? Claro que resulta, mas o Estado não quer saber. Cobra, fiscaliza e recebe e não lhes quer dar nada em troca. Aliás, faz questão de prejudicá-los face aos outros trabalhadores. Estes microempresários criam o próprio emprego, mas em vez de isso lhes ser reconhecido como contributo capaz de valer pelo menos igualdade de tratamento, são considerados pelo Estado como fazendo parte da opípara classe privilegiada. Como todos bem sabemos, eles são empresários e, por definição, por mais pequenos que sejam os seus negócios, todos os empresários são esplendidamente ricos, tão ricos que merecem a nossa desproteção.