por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 05.11.2022

Há muito que a capitalização das empresas é reconhecida como uma necessidade absoluta para a competitividade da economia. A degradação da situação económica e financeira das empresas no contexto da crise pandémica veio agravar o problema. O impacto, agora, da guerra na Ucrânia e do aumento das taxas de juro torna ainda mais urgente o estímulo ao fortalecimento das estruturas financeiras e à recapitalização das empresas.

Tenho insistido na necessidade de acelerar as medidas a executar pelo Banco Português de Fomento, capacitando-o plenamente para a sua missão. As “dores de parto” deste Banco, já duram há tempo demais. São muitas as queixas de problemas e atrasos. É preciso que as linhas de capitalização previstas no PRR cheguem efetivamente ao terreno.

Também no domínio da fiscalidade se exigiria um enquadramento mais favorável ao reforço dos capitais das empresas. A este respeito, tenho defendido, desde há muito, o aprofundamento do regime de Dedução de Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR) que, pelas suas limitações em termos de taxas, limites e outras restrições, está ainda muito aquém do seu potencial.

Foi, por isso, com bons olhos que vi a intenção expressa do Governo de, no Orçamento do Estado para 2023, “estimular fortemente a capitalização das empresas”. A via escolhida, relativamente à qual se levantaram desde logo algumas dúvidas, seria a fusão e simplificação dos dois regimes fiscais atualmente em vigor: a DLRR e a Remuneração Convencional do Capital Social (RCCS).

O que consta do complexo articulado da Proposta de Lei do Orçamento do Estado a este respeito é, no mínimo, dececionante.
É, de facto, criado o Incentivo à Capitalização das Empresas (ICE) – substancialmente diferente dos atuais regimes, sendo abusivo caracterizá-lo como resultante da fusão da DLRR e da RCCS, que são expressamente revogadas.
Entre os aspetos mais negativos a assinalar está o facto de se abandonar a lógica subjacente à DLRR como instrumento para incentivar o investimento financiado através da retenção de lucros, sendo o benefício obtido num único exercício. Sobretudo em relação a este regime, a diluição do benefício por um período mais largo – 10 anos – é penalizadora. Mesmo comparando com a RCCS, subsistem dúvidas de que a redução do montante anual de dedução seja plenamente compensada pelo alargamento do respetivo prazo, tendo em conta as perspetivas de um período alargado de elevada inflação.

Acresce que nem a DLRR nem a RCCS estabeleciam a dedução de “saídas a título de remuneração do capital” para o cálculo da base do benefício. O ICE determina esta dedução, numa bizarra e obscura definição de “aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis”.

Em suma, estamos perante um novo enquadramento que está muito longe de contribuir para o objetivo a que o Governo se propôs.

Espero que a discussão na especialidade do Orçamento na Assembleia da República seja ocasião para uma análise séria desta medida, alterando-a por forma a que constitua, de facto, uma melhoria do atual quadro, não um retrocesso. Foi essa a intenção que colocámos no acordo de Competitividade e Rendimentos.