por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 08.10.2022

Assistimos, em Portugal e na Europa, a um aceso debate sobre o que podem fazer os governos nacionais para contrariar o impacto recessivo e inflacionista decorrente da guerra na Ucrânia.

Dizem os mais cautelosos que a prioridade é combater a inflação e que os esforços dos governos para contrariar uma recessão cada vez mais provável serão inglórios ou mesmo contraprodutivos. Medidas orçamentais, nomeadamente de caráter transversal, comprometeriam os resultados da política monetária para conter a inflação e levariam a medidas ainda mais restritivas por parte do Banco Central Europeu, ou seja, taxas de juro ainda mais altas.

Por outro lado, políticas orçamentais expansionistas poriam em risco a sustentabilidade das finanças públicas. A recente reação dos mercados às medidas anunciadas pelo Governo britânico fornece um argumento de peso contra este tipo de políticas.

O caminho a tomar seria, então, o de recorrer a medidas temporárias e direcionadas às famílias em maior risco, e deixar os mercados funcionar.

Reconheço a dificuldade em combater, simultaneamente, a inflação e a recessão. Estou consciente das limitações financeiras dos Estados.
Entre o voluntarismo irrealista e a inação vai, no entanto, uma distância. Como já afirmei, não há uma bala de prata. Tudo quanto os governos possam fazer será sempre insuficiente. Mas a política económica importa, podendo e devendo ser manejada de forma a contrariar evoluções indesejadas.

Os governos têm disponíveis instrumentos de regulação e intervenção nos mercados. É um caminho perigoso, mas justificado quando as regras de funcionamento dos mercados se mostram desfasadas de uma nova realidade. Portugal e Espanha já recorreram a esta possibilidade, com efeitos relativamente limitados, mas comprovadamente positivos. Houve resistências para que o pudessem fazer. Penso que tiveram razão antes do tempo: caminhos semelhantes estão agora a ser admitidos e estudados ao nível europeu.

Quanto a apoios fiscais e financeiros, há fortes argumentos para que sejam direcionados, não só aos consumidores mais vulneráveis, mas também às empresas mais afetadas.

Há uma folga considerável decorrente do impacto da inflação nas receitas fiscais. Haverá que ter prudência relativamente aos próximos anos, mas não utilizar plenamente esta folga seria tornar a política orçamental mais restritiva, concorrendo paradoxalmente para a contração da atividade económica.

Além disso, este é um choque externo, que se abate sobre as empresas antes de chegar ao consumidor. Ao não passar plenamente os aumentos dos custos aos preços, as empresas estão a travar a inflação. Interrogo-me por quanto mais tempo poderão continuar a fazê-lo. Será mais eficaz enfrentar o problema o mais próximo possível das suas origens a tentar mitigar suas consequências na parte final da cadeia.

Há, assim, no meu entender, bons argumentos para fazer mais e melhor. Na Europa e em Portugal. Sobretudo quando muitos dos nossos parceiros e concorrentes europeus estão a fazer mais e melhor.