por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 07.05.2022

Todos os portugueses gostariam de viver num país com salários mais altos e com melhores condições de vida. Todos os portugueses gostariam que o nosso país fosse mais competitivo e, assim, tivesse capacidade para oferecer melhores rendimentos. Este desejo – aliás, esta justa ambição – junta e alinha trabalhadores e empresários, apesar de ainda hoje os preconceitos ideológicos pretenderem atribuir às empresas a vontade de esmagar e reduzir salários.

Não vale a pena perdermos muito tempo com esta ideia absurda, até porque, ano após ano, a realidade tem-se encarregado de a contrariar. Importa, sim, olhar para o que está a acontecer no mercado de trabalho. Apesar da pandemia e dos efeitos destrutivos da guerra, e não obstante o risco de estagflação estar cada vez mais próximo – o que, a confirmar-se, destruirá riqueza, empresas e emprego -, Portugal atravessa uma situação de grave falta de mão-de-obra, transversal a muitos setores. Não há profissionais para diversas indústrias, não há técnicos especializados, não há quadros qualificados disponíveis.

Esta falta de recursos humanos limita o investimento e o crescimento das nossas empresas, adia decisões e, claro, faz subir mais ainda os custos com salários. Nos últimos três anos, a produtividade da nossa economia aumentou apenas 2% em termos nominais, mas a remuneração média por trabalhador no setor privado aumentou 10,7%. Esta falta de sincronização não é neutra, ela atinge em cheio a nossa competitividade. O aumento dos custos unitários de trabalho, quando avança de forma tão pronunciada, tem efeitos perversos que, a prazo, acabam por ameaçar os negócios e os balanços das empresas.

O governador do Banco de Portugal identificou o problema esta semana. A argumentação de Mário Centeno é a seguinte: nos últimos anos, os salários médios em Portugal cresceram “muito mais” do que a inflação – de 2015 a 2021, enquanto os preços aumentaram “abaixo de 5%”, os salários médios registados na Segurança Social cresceram “muito próximo de 20%”. Conclui o governador: “Neste momento, é importante ter muita cautela na avaliação daquilo que são as atualizações salariais, porque esta questão de reforço do rendimento disponível não é uma matéria apenas para um semestre ou um ano, o impacto é mais longo.”

Estamos, portanto, entre a espada e a parede: não há recursos humanos disponíveis, logo, as empresas procuram melhorar as suas ofertas laborais, mas este triplo salto, que acumula com os aumentos significativos registados nos últimos anos, traz consigo uma terrível contradição: o mercado pode não aguentar esta largueza, apesar de ela parecer adequada aos tempos inflacionistas que vivemos.

Até agora, as empresas têm internalizado este aumento, não o têm passado aos consumidores, pelo menos não na sua total e real extensão. Tal como escrevi na semana passada a propósito das matérias-primas, o choque com a realidade acabará, no entanto, por acontecer. É por isso que, perante esta crise submersa que vivemos, é imperioso que o governo olhe de frente para os problemas e fale com as empresas. Mais do que nunca, é fundamental olhar para a fiscalidade. Agora que todos os custos sobem em flecha, o peso dos impostos torna-se ainda mais visível e ainda mais difícil de gerir e aguentar.