A pandemia de COVID-19 gerou uma crise global de saúde pública que obrigou à travagem brusca da atividade económica. A seguir à batalha pela sobrevivência, é necessário evitar o aprofundamento da maior crise económica desde a II Guerra Mundial e criar condições para a recuperação.

A inesperada expansão da COVID-19 foi fulgurante, saltando rapidamente das páginas do noticiário internacional dos jornais para o quotidiano dos cidadãos. Em apenas 45 dias, o surto inicialmente descrito como uma pneumonia provocada por causas desconhecidas, circunscrita a uma cidade da província chinesa de Hubei, chegou a países dos cinco continentes, primeiro pelo registo de infetados, duas semanas depois através de mortes atribuíveis à doença, num processo em que ficou visível a malha fina, social e económica, que liga regiões e comunidades de todo o mundo.

A progressão do novo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença que provoca obrigou à intervenção das autoridades na generalidade dos países, em tempos diversos e com diferentes medidas, mas que passaram por impedir deslocações e limitar o contacto entre pessoas, impactando diretamente as cadeias de produção, com repercussões que se manifestaram em todos os mercados, mais rapidamente ainda do que a doença.

Em Portugal, a 20 de fevereiro, quando ainda só havia casos suspeitos na Península Ibérica, o presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva, alertava para os riscos subjacentes a uma economia globalizada, com cadeias de valor longas. “O impacto [da nova doença] não está limitado às empresas que trabalham diretamente com a China”, avisou.

A evolução da crise foi rápida e negativa. Na semana anterior, Espanha registara a primeira morte devido à COVID-19; no dia seguinte, era Itália a anotar o primeiro óbito, iniciando o que viriam a ser dias de inferno, nos dois casos, que se tornaram epicentros da escalada da doença na Europa. Seguiram-se medidas de confinamento e a disrupção dos circuitos económicos, com consequências ainda não completamente percebidas, mas que, já sabemos, se traduzem na pior recessão desde a II Guerra Mundial.

A velocidade com que a COVID-19 se propagou obrigava as autoridades a adotar respostas rápidas; de saúde pública, para evitar que o crescimento exponencial de casos levasse à rotura de capacidade dos serviços de saúde; mas também económicas, para impedir a destruição maciça de empregos e o encerramento das empresas, que, a acontecer, deitaria por terra o processo de recuperação.

 

Apoios em crescendo

 Em Portugal, os primeiros casos comprovados de COVID-19 foram registados a 2 de março. Numa primeira fase, o governo reage ao extravasar da crise de saúde pública para a economia anunciando uma linha de apoio às empresas no valor de 100 milhões de euros, que vai sendo aumentada até 400 milhões, mas com a CIP a considerar, constantemente, tratar-se de valores “manifestamente insuficientes” para a dimensão do problema. As autoridades acabam por o reconhecer e, já depois de a Organização Mundial da Saúde declarar que o mundo enfrenta uma pandemia, dois dias depois de Portugal registar a primeira morte atribuída à COVID-19, o governo aprova apoios para as empresas contabilizados em 9,2 milhões de euros, essencialmente referentes a moratórias fiscais e contributivas e a garantias para 3.000 milhões de euros de linhas de crédito, que, depois de contestados, são aumentadas para 6,2 mil milhões. Dias mais tarde, surge a figura do lay-off simplificado.

O estado de emergência, entretanto decretado, impõe o confinamento e o encerramento de atividades, limitando drasticamente o contacto entre pessoas, para reduzir o risco de contágio. A pandemia altera profundamente a vida da comunidade, em todas as suas vertentes, incluindo o movimento associativo; as eleições para os atuais corpos sociais da CIP realizaram-se a 5 de março, mas o evento de tomada de posse é cancelado e a primeira reunião do Conselho Geral tem lugar em maio, já por videoconferência.

A maior confederação empresarial portuguesa interveio sempre durante o escalar da situação, no espaço público, mas também nos fóruns que integra, como a Comissão Permanente de Concertação Social, e através do contacto direto com os decisores políticos. No primeiro dia de abril, a CIP entrega ao governo propostas para um plano extraordinário de suporte à economia portuguesa, com o objetivo de “garantir a manutenção dos postos de trabalho e criar os mecanismos para que as empresas possam retomar a atividade logo que possível”, nomeadamente, através do suporte à liquidez das empresas, fortemente prejudicada pela paragem abrupta da atividade económica. É defendida a conversão de garantias do Estado em incentivos a fundo perdido para as pequenas e médias empresas (PME) que mantenham a atividade económica e garantam a manutenção do emprego, sem redução da massa salarial, nos próximos quatro anos.

Na carta enviada ao primeiro-ministro, António Saraiva considera que “o que está em causa é que as empresas consigam ultrapassar esta crise (resolvendo problemas de liquidez de forma atempada) e retomem a atividade sem custos acrescidos e insuportáveis (juros, amortizações, impostos), ao mesmo tempo que se garante o rendimento dos trabalhadores e o seu posto de trabalho a médio e longo prazo”.

 

Propostas para a recuperação

 Neste período caracterizado pela elevada volatilidade, foi necessário garantir a existência de informação fiável e atualizada para saber como reagir à pandemia. Esta foi a ideia de partida para a concretização do “Projeto Sinais Vitais”, desenvolvido em conjunto pelo Marketing FutureCast Lab do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e pela CIP, no qual as associações empresariais tiveram um papel preponderante.

Foi assim que se confirmou que o apoio prometido não estava a chegar às empresas: no início de maio, apenas 3% das empresas que tinham recorrido às linhas de crédito de resposta à crise tinham já recebido o dinheiro, o que a CIP atribui à burocracia e exige que seja criado um “Simplex Codiv”.

Cerca de 84% das empresas inquiridas considerava que os apoios anunciados pelo governo ficavam aquém ou muito aquém do necessário.

“Estes dados confirmam o alerta que a CIP tem feito, desde o início do quadro de exceção, de que era necessária uma intervenção mais rápida, com uma maior capacidade financeira, para ajudar as empresas e dar-lhes a capacidade de preservar postos de trabalho”, afirmou o presidente da CIP.

Já em maio, a CIP entrega ao governo novas propostas para o plano de suporte à economia, mantendo os objetivos de sobrevivência e desenvolvimento das empresas e a manutenção do emprego, evitando uma mais profunda recessão e uma prolongada crise das finanças públicas, mas apontando às condições para a retoma efetiva da atividade económica.

São propostas sete diferentes medidas para a capitalização das empresas, incluindo a criação de um Fundo de Emergência com 3.000 milhões de euros de disponibilidades, a criação de uma linha de dívida subordinada COVID-19 e a definição de incentivos fiscais à capitalização.

A CIP defende, também, o reforço das linhas de crédito criadas no âmbito dos instrumentos de resposta à pandemia, já esgotadas, assim como defende a criação de novos instrumentos para financiamento dos agentes económicos.

 

Mais apoios, um novo desafio

 A globalização da pandemia deixava também claro que ninguém conseguiria, por si só, enfrentar os desafios que se colocavam, especialmente à economia, e que uma reação exigiria esforços concertados. Para a União Europeia, constituía também um teste à sua resiliência, que não começou por ser respondido da melhor forma, com recursos limitados, fora de tempo e com divergências públicas entre os Estados-membros, à medida que a crise se agudizava.

A CIP participou no processo pela manifestação das suas posições através da BusinessEurope, mas também pelo contacto direto com a presidente da Comissão Europeia, a quem alertou para a necessidade de um quadro financeiro plurianual com a dimensão e os instrumentos necessários para fazer face à crise, defendendo um fundo de recuperação construído, na sua maioria, com base em subvenções, de forma a evitar sobrecarregar a dívida dos Estados-membros, o que veio a ser considerado por Bruxelas.

No final de maio, a Comissão Europeia propõe a criação de um Fundo de Recuperação de 750 mil milhões de euros para reparar os danos provocados pela pandemia e revê o quadro financeiro plurianual 2021-2027 para 1,1 biliões de euros.

Esta proposta faz com que o desafio, em Portugal, tenha de ser revisto para acomodar outra ambição. “É necessário assegurar que os fundos de que Portugal disporá são canalizados para áreas e investimentos relevantes, para que consigamos sair desta crise fortalecidos”, afirma António Saraiva. “É necessário, também, que as empresas sejam apoiadas para que tenham condições para participar no processo de desenvolvimento”.

*Artigo publicado na Revista Indústria nº 124, 2º trimestre 2020
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