por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 22.08.2020

Está a ser desenvolvido um novo conceito, na Comissão Europeia, como forma de olhar para a economia, com potenciais consequências ao nível da política industrial.

Este conceito – ecossistemas industriais – surgiu, pela primeira vez, em março deste ano, numa comunicação sobre a nova estratégia industrial da Europa. Falava-se, então, em ecossistemas como uma noção que abrangia todos os atores que operam numa cadeia de valor. Neste quadro, referia-se a necessidade de identificar aqueles onde se justificava uma abordagem específica.

O conceito evoluiu, depois, deixando de estar limitado a cadeias de valor individuais e assumindo uma dimensão de rede, abarcando as interligações complexas entre empresas, setores e instituições.

Neste sentido, este conceito parte de uma visão da economia como uma imensa rede, em que os nós são empresas e instituições (entidades públicas, centros de investigação, etc.), que interagem entre si de forma mais ou menos intensa. A identificação dos ecossistemas consistiria, então, segundo a minha interpretação, na deteção das zonas mais densas (em termos de interligações) dessa imensa rede. No fundo, chegamos a um conceito que não difere muito da ideia de clusters, sem a sua dimensão territorial (que aliás tem vindo a assumir menor relevância).

O problema surge, na prática, quando se pretende passar à identificação e quantificação desses ecossistemas: como “recortar” a rede da economia europeia num puzzle consistente com este conceito, evitando sobreposições que, na realidade, existem?

Uma primeira tentativa foi já desenvolvida, no contexto dos trabalhos preparatórios para o Plano de Recuperação Europeu, com o objetivo de estimar os impactos da atual crise.

O resultado – 14 grandes ecossistemas que cobrem a grande maioria das atividades económicas – deixa-me algumas dúvidas e reservas.

A coerência com o conceito de base não parece estar plenamente assegurada. Se, nalguns casos, a identificação é pacífica – turismo e saúde, por exemplo – noutros casos o mesmo não acontece.

Veja-se, por exemplo, o caso das “indústrias intensivas em energia”, onde setores tão diferentes e distantes entre si como químicos, ferro e aço, produtos de base florestal, plásticos, refinarias, cimento, borracha, metais não ferrosos, são incluídos no mesmo ecossistema, com base num denominador comum limitado e distorcido, porque não existe neste aspeto específico qualquer interação entre os referidos setores: o seu supostamente elevado impacto ambiental.

Que dizer, também, da identificação de um ecossistema (por sinal o de menor dimensão entre todos os 14) designado “eletrónica”, em torno dos semicondutores, distinto do ecossistema “digital”, onde encontramos, além das telecomunicações, software, processamento de dados, e atividades conexas, o fabrico de computadores, equipamento de telecomunicações e eletrónica de consumo?

Temo que este exercício – reconhecidamente político e não científico – esteja eivado de preconceitos e motivações menos claras, desvirtuando um conceito com potencialidades.

Estejamos, pois, atentos aos desenvolvimentos deste processo, precavendo consequências negativas na política industrial da União Europeia.