por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 27.05.2023

É verdade que, depois de quase um ano inteiro em que os aumentos do custo de energia enchiam as páginas de jornais, o assunto parece ter passado para segundo plano. Mas não passou, nem deveria passar. A política energética de um país é um assunto central. É um tema decisivo para o desenvolvimento económico. Não há setor de atividade que não seja tocado pelo custo da energia.
Esta constatação óbvia deveria traduzir-se em políticas públicas estruturais de longo prazo. A primeira década deste século deu-nos um exemplo disso mesmo. Os investimentos em energia eólica e solar foram fortíssimos. Atingiram valores que fizeram os céticos levantar o sobrolho. O enquadramento fiscal das renováveis, definido para incentivar esta mudança de paradigma – embora não perfeito -, gerou críticas e desconfiança.

Ora, os resultados destas medidas ultrapassaram todas as expectativas. Portugal está entre os países com mais peso nesta área e isso tem tido consequências positivas a vários níveis. Os economistas chamam-lhe externalidades positivas, como as consequências favoráveis (redução) do preço da eletricidade. Durante a pandemia isso ficou absolutamente claro.
Entre os Estados-membros da União Europeia, Portugal ocupa a quarta posição entre os países cujo consumo de eletricidade tem origem, maioritariamente, em fontes renováveis. Numa altura de enorme pressão altista nos mercados – por causa da pandemia e da terrível guerra da Rússia com a Ucrânia -, o efeito das renováveis na formação dos preços da eletricidade revelou-se decisivo.

As políticas públicas acertadas têm este efeito multiplicador. Amortecem as crises, alisam o terreno, combatem a especulação e criam previsibilidade duradoura. Essa presciência existiu na primeira década do século, mas foi talvez o canto do cisne. Não quero exagerar, sei bem que governar é difícil e que não nos podemos colocar sempre como críticos de tudo. No entanto, digamos que depois tivemos – estamos a atravessar – uma década perdida no que respeita a mudanças estruturais. As renováveis são talvez a exceção à regra, mas revelaram-se decisivas para projetar um país – aparentemente, só aparentemente – virado para o futuro.

A CIP gostaria muito que fosse assim. Que estivéssemos sempre um passo à frente. Gostaríamos muito que a política energética do país mantivesse não apenas um rumo estável, mas revelasse a capacidade para manter a liderança sem fazer disparates por causa de modas ou preconceitos ideológicos.

Para se ter uma ideia, até ao início da guerra na Ucrânia o gás era encarado como alvo a abater no quadro do processo de transição energética em curso na Europa. Esta guerra absurda veio, porém, demonstrar que o mundo não está minimamente preparado para a dispensa total de combustíveis. Deixemo-nos de delírios.

A necessidade de gás para aquecimento ou para a alimentar as necessidades da indústria tornou-se absolutamente clara. É verdade que os preços atingiram valores inimagináveis, mas a necessidade manteve-se. O que todos vimos nos últimos meses foi que a escassez de gás impôs-se e tornou obrigatório que este combustível fosse integrado nas opções existentes no mercado.

A CIP sempre defendeu que a transição energética é inevitável e desejável.
No entanto, esta transição deve ser concretizada de forma pensada e refletida. Deve ser feita sem impulsos bem intencionados que nos podem empurrar para situações muito difíceis. O que quero dizer com isto? Que o gás deve ser encarado como um combustível indispensável à transição, dure a transição o tempo que for necessário. Neste contexto, é relevante esclarecer que a descarbonização do gás é uma opção imediata e que, mais do que isso, ela é economicamente viável.

A intenção de eletrificação total da economia foi uma opção inicial – um arroubo cheio de boas intenções -, mas rapidamente nos levou a compreender que não é o melhor caminho. Julgo fundamental sublinhar que há setores de atividade que, sem gás, não conseguem fazer o que fazem hoje. É o caso da siderurgia, do vidro e da cerâmica, atividades muito relevantes no nosso país.
Perante a escassez de água e, por vezes, de vento e de sol, o gás converte-se no elemento que permite fiabilidade ao fornecimento de eletricidade a todo o território nacional. Sem gás, não teríamos o crescimento económico que temos tido no último ano e meio. Sem gás seríamos incapazes de concretizar o nosso potencial económico.