Não basta reciclar. É necessário alterar a conceção de produtos e serviços. É necessário sair da esfera da comodidade e reinventar novos métodos

Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 27.05.2017

“Num mundo em desenvolvimento e onde o acesso a níveis de vida dignos é progressivamente mais universal, todos devemos estar conscientes de que, em breve, não teremos recursos naturais que permitam satisfazer as necessidades de uma população crescente.

Há, por isso, que alterar conceitos; há que prolongar a vida dos materiais; há que relançar na economia aquilo que, ainda hoje, é desperdício.

Por outras palavras, não basta reciclar. É necessário alterar a conceção de produtos e serviços. É necessário sair da esfera da comodidade e reinventar novos métodos de criação de bens que possam reincorporar matérias já fora de uso.

Muito já se escreveu sobre esta temática, tanto que me atrevo a supor que ninguém conseguiu ler a totalidade dos relatórios oficiais já produzidos.

Mas, o conceito de Economia Circular tem de ser mais que um “chavão” e superar a edificação de relatórios volumosos, repletos de fluxogramas.

Os exemplos teóricos escondem quase sempre a existência de condições ótimas, desde a ocorrência de processos integrados até ao pressuposto de que, para cada matéria residual, existe um amplo mercado ávido da sua disponibilidade.

Isto é verdade em economias desenvolvidas, com sólido pendor industrial, detentoras de tecnologia, marcas e posições de relevo em vários setores da economia.

No entanto, neste campo, Portugal apresenta assimetrias notórias e tem de ponderar criticamente o modo como adere e como operacionaliza a prioridade que a Europa atribui à Economia Circular.

Portugal, sobre este tema, não pode aceitar sem sentido crítico soluções que foram pensadas para situações diversas.

Os países desenvolvidos que, no espaço europeu, lideram este tema não hesitaram e, na sua maioria, optaram por privilegiar ações sobre setores que consideraram estratégicos. Certamente aqueles onde dispõem de grande peso industrial e posição quanto a marcas e conceção de produto.

Portugal tem alguns setores de atividade preparados para enfrentar este tipo de desafios, mas, em contrapartida, o Estado terá de evoluir nos seus métodos de relacionamento com as empresas, privilegiando as parcerias e os objetivos e reduzindo o “comando e controlo”.

Darei apenas duas sugestões:

Porque não estimular, sem excesso de entraves burocráticos, o trânsito de materiais entre empresas do mesmo setor ou setores afins? O que a um não serve e para outro é matéria-prima, não é gestão de resíduos, é prevenção da sua produção.

Depois, porque não criar as melhores técnicas disponíveis para a incorporação de matérias residuais nos produtos?

A Economia Circular é muito mais que reciclagem ou gestão de resíduos. Para o sucesso da transição que se impõe, caberá à criatividade da indústria transformadora – e dos serviços que promovem a difusão dos seus produtos – a marcação do seu ritmo.

Este é mais um desafio lançado sobre as empresas. Assim o saibamos enfrentar e superar.”