por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 21.11.2020

Nos três primeiros trimestres deste ano foram já perdidos, em termos líquidos, 108 mil postos de trabalho. Mesmo assim, face aos 12 550 milhões de euros perdidos, nos primeiros nove meses do ano, relativamente ao que produzimos no mesmo período de 2019, a repercussão da crise no mercado do trabalho é, para já, menor do que o expectável. Isto significa que, apesar da quebra significativa de receitas e de encomendas, do futuro incerto que têm, as empresas estão a fazer tudo o que podem para sobreviver e salvar empregos durante esta crise sem precedentes.

Os resultados desta semana do último inquérito levado a cabo pela CIP em parceria com o Marketing FutureCast Lab do ISCTE comprova-o: apesar da expectativa de agravamento da tendência de quebra de vendas, 79% das empresas sinalizaram que querem manter (ou mesmo reforçar) o seu quadro de colaboradores nos próximos meses.

De facto, o que está no DNA das empresas é a geração de emprego, não a sua destruição.

No entanto, a redução de postos de trabalho é, por vezes, a única forma de evitar o encerramento de empresas, em situações em que já não é viável a aplicação de outras medidas suscetíveis de as adaptar ou restruturar.

O Governo tem disto plena consciência, quando exerce as suas responsabilidades de acionista, mas está a esquecê-lo na sua intervenção nas empresas privadas.

Na TAP, foram concedidos, este ano, 1 200 milhões de euros de empréstimo do Estado e, para o próximo, o Orçamento do Estado reserva 500 milhões de garantia estatal para um empréstimo bancário. Simultaneamente, é reconhecido que a empresa não pode manter artificialmente uma dimensão que não tem adesão ao mercado em que está a operar, pelo que seu plano de reestruturação prevê o redimensionamento, com uma redução de 1 600 dos cerca de 14 000 trabalhadores do grupo, até ao final do ano. É este, lamentável, mas necessariamente, o preço a pagar para garantir a sustentabilidade da empresa.

A uma empresa privada que aceda a uma das linhas de crédito com garantia mútua em vigor (cujo financiamento máximo, no caso das empresas de maior dimensão, são 2 milhões de euros) é exigida uma declaração em como “assume o compromisso de manutenção dos postos de trabalho permanentes até 31 de dezembro de 2020, face ao comprovado número desses postos a 1 de fevereiro de 2020 e, como tal, não ter promovido nem vir a promover, nesse período, processos de despedimento coletivo ou despedimento por extinção do posto de trabalho”.

Entendo que sejam pedidas obrigações às empresas, nomeadamente em termos de preservação de postos de trabalho, em contrapartida de determinados apoios adicionais concedidos, mas justificar-se-ia que essas exigências fossem moduladas, de acordo com as necessidades de ajustamento face às perdas registadas, de forma duradoura, nas receitas.

Veremos em que moldes serão concebidas as novas linhas de crédito em preparação.

Mais grave do que o mesmo Governo ter dois pesos e duas medidas conforme o acionista é público ou privado, é estarmos a protelar ajustamentos que, se não forem feitos, levarão ao encerramento de empresas, com o consequente desemprego de todos, e não apenas alguns, dos seus trabalhadores.

Não será, certamente, esse o caminho para impedir a escalada no desemprego.