por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 01.08.2020

Sabemos que a União Europeia tem como um dos seus objetivos principais o combate às alterações climáticas e, nesse sentido, propõe que a Europa atinja, até 2050, uma situação de neutralidade carbónica.

É também certo que, uma fase inicial, a eletrificação da economia e, até, da sociedade em geral, ocupou o centro do discurso dos decisores políticos, mas depressa se verificou que essa opção, quase única, não conseguia dar resposta a muitas das situações, na indústria e nos transportes, tanto pela viabilidade tecnológica como por razões de competitividade.

Assistimos hoje a uma inflexão nos discursos e nos objetivos, que transferem os desafios para a produção e disponibilidade generalizada de combustíveis com origem renovável.

Entendemos que a transição energética deve ser encarada sem modas nem argumentação exacerbada, com escolhas racionais, competitivas e socialmente viáveis.

Saliente-se ainda que, entre 2005 e 2018, a atividade económica, designadamente a indústria, reduziu as suas emissões em cerca de um terço e que, já hoje, há várias empresas que apresentam compromissos públicos no sentido da neutralidade carbónica e médio prazo.

O caminho está a ser percorrido, mesmo sob condições difíceis, e requer-se que assim continue, com salvaguarda da competitividade global do país.

Propõe-se agora, nesta nova etapa do combate às alterações climáticas, o recurso ao hidrogénio renovável, que se pretende que constitua uma alternativa menos disruptiva e, em muitos casos, mais adequada do que a eletrificação.

É certo que muitas das aplicações possíveis para o hidrogénio ainda não dispõem de tecnologias suficientemente maduras, mas, apesar dessa circunstância, um número considerável de empresas em vários setores económicos estão a ver neste tema um interessante vetor de desenvolvimento das suas atividades, quer no estudo e oferta de soluções tecnológicas, quer na conceção de produtos industriais mais sustentáveis e na eliminação de importações.

Tal esforço é meritório e deve ser apoiado, subordinado a uma estratégia nacional orientada para o desenvolvimento com geração de valor.

Assim, o hidrogénio renovável não deverá ser apenas mais um vetor energético; é indispensável o seu fomento como matéria prima de processos industriais, robustecendo a indústria e promovendo uma sólida base para a descarbonização do país, apesar da maturidade das soluções tecnológicas ser muito diferente entre os vários setores.

Já quanto à utilização do hidrogénio como combustível, designadamente por introdução nas redes de gás natural, questiona-se quem paga ou como será financiado o sobrecusto associado a esta alteração; o apoio permanente do Fundo Ambiental que, de resto, é alimentado sobretudo pela indústria, não será uma solução desejável nem, a prazo, viável.

Concluindo, é claramente necessária a continuação do diálogo com os vários setores da economia, pois só desse modo se pode, em termos de opções estratégicas e de investimento, separar o “trigo do joio” e poderem ser ultrapassadas eventuais lacunas da proposta da estratégia nacional para o hidrogénio, permitindo uma aceitável “curva de aprendizagem” sob um calendário que vá ao encontro das possibilidades dos vários setores interessados.