por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 12.09.2020

Multiplicam-se, na Europa e em Portugal, as referências à reindustrialização como motor da recuperação económica.

Só posso aplaudir, depois de tantos anos a criticar as políticas (ou a falta delas) que contribuíram para a erosão da base industrial; depois de, na CIP, desde 2010, alertar que Portugal só se desenvolverá através da aposta nos setores de bens e serviços transacionáveis e reclamar para esses setores o reconhecimento público do seu papel estruturante e estratégico para esse desenvolvimento.

Já sob a pressão da crise de 2008, a indústria tinha voltado às agendas nacionais nos países desenvolvidos. O Advanced Manufacturing Program, nos Estados Unidos, a Indústria 4.0, na Alemanha, a Industrie du Futur, em França, são exemplos de estratégias para inverter o processo de desindustrialização, potenciando o progresso tecnológico e, nomeadamente, a transformação digital. Também em Portugal tivemos, primeiro, a Estratégia de Fomento Industrial para o Crescimento e o Emprego, depois, o nosso Programa Indústria 4.0, centrado na economia digital.

No entanto, se nunca como agora foi tão clara a proclamação do desígnio da reindustrialização, há ainda indefinições e riscos quanto às políticas que servirão essa intenção.

Ao nível europeu, é preciso resistir a derivas perigosamente dirigistas, de apostas em “campeões”, sejam eles empresas ou setores, através de um relaxamento das regras de concorrência e da concessão de ajudas públicas.

Há também o risco, como afirmei neste espaço na semana passada, de diabolizarmos a globalização, sucumbindo ao protecionismo e fechando a Europa sobre si própria.

Acima de tudo, a União Europeia precisa integrar, de facto, a perspetiva industrial em todos os domínios das suas políticas, nomeadamente energia, ambiente, inovação, mercado de trabalho, comércio internacional, concorrência.

Também em Portugal há indefinições quanto à política industrial a adotar.

O documento Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal, por exemplo, destaca, justamente, a reindustrialização do País como um pilar essencial para a recuperação. No entanto, o documento elenca, neste quadro, um conjunto muito extenso de planos de investimento tidos como prioritários para vários setores, sem ser claro em que consistem, na prática, esses planos e qual o papel que cabe ao Estado na sua promoção.

Em suma, é preciso aprofundar e dar conteúdo prático a uma política industrial que, sem pretender selecionar vencedores, esteja alinhada com as tecnologias e tendências que vão formatar o futuro e com um particular enfoque na qualificação e reconversão profissional.

Sobretudo, precisamos de uma política económica que coloque a competitividade industrial como preocupação transversal na intervenção do Estado na economia.

Uma política, enfim, que promova uma correta e eficaz utilização do Plano de Recuperação Europeu e dos seus fundos, com o objetivo da realocação de recursos para o investimento na produção de bens e serviços transacionáveis, com maior valor acrescentado e promovendo a resposta aos grandes desafios que se nos colocam, desde a transformação digital à transição energética e à economia circular.