por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 30.01.2021

Longos anos de laxismo, imprudência e opções políticas erradas levaram a economia portuguesa a um nível de endividamento excessivo, que esteve na origem da intervenção externa da troika e da recessão de 2011-2013.

Nos anos mais recentes, pudemos observar alguma melhoria na saúde financeira das empresas: maior rentabilidade dos capitais próprios, aumento da autonomia financeira, redução do endividamento e do custo da dívida, indicadores de risco um pouco menos preocupantes.

Com a eclosão da presente crise, esta gradual recuperação do equilíbrio financeiro das empresas retrocedeu repentinamente e a tendência de redução dos seus níveis de endividamento inverteu-se.

Em novembro do ano passado, a dívida do setor não financeiro situava-se em 742,8 mil milhões de euros – 362% do PIB – dos quais 263 mil milhões são da responsabilidade das empresas privadas. Este valor traduz um acréscimo, acumulado em oito meses, de 4,4 mil milhões de euros na dívida das empresas, para fazer face a enormes dificuldades de tesouraria. Os dados do Banco de Portugal permitem-nos ainda concluir que este acréscimo se fez sentir sobretudo nas microempresas.

Para esta evolução concorreram medidas como a moratória e as linhas de crédito com garantia pública.

Entre março e setembro de 2020, cerca de 40% do montante de novos empréstimos contratados pelas empresas encontrava-se ao abrigo destas linhas de crédito (44% no caso das PME, 59% no caso dos setores mais afetados pela pandemia).

No final de setembro de 2020, quase um terço do stock de empréstimos bancários às empresas encontrava-se em moratória.

Na falta de outras, de caráter mais estrutural, estas medidas foram, e continuam a ser, fundamentais para mitigar as dificuldades de tesouraria das empresas. No entanto, a situação não deixa de ser preocupante, tendo em conta o prolongamento (e perspetivas de agravamento) da escassez de receitas para fazer face ao cumprimento de compromissos financeiros por parte das empresas.

Estima-se que até ao final do período de vigência da moratória (setembro de 2021), as prestações devidas e não pagas possam ascender a cerca de 11 mil milhões de euros.

Tudo isto nos alerta para o risco, no futuro, do aumento de situações de insolvência, com o consequente aumento do desemprego, e de incumprimento, com agravamento do crédito mal parado na banca. Tudo deverá ser feito para preservar empresas e emprego, evitando que a crise económica exacerbe a crise social.

Tudo isto recomenda determinação e eficácia no apoio às empresas e muita prudência e bom senso na gestão desta situação, no momento em que se equacionar o gradual desmantelamento desse apoio.

Tudo isto exige urgência na implementação de medidas – há muito reclamadas, há muito prometidas – que favoreçam o reforço de capitais das empresas, para que, no rescaldo desta crise, tenham condições para investir e impulsionar a recuperação.