por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 28.08.2021

Há muitos, muitos anos, os portugueses tinham a saudável oportunidade de poder desligar quase totalmente da atividade política durante algumas semanas de agosto. O país inteiro ia de férias, os políticos iam a banhos e assim instituía-se uma espécie de trégua político-partidária quebrada apenas por um fio informativo que traduzia uma espécie de serviços mínimos do sistema. Chegava então setembro e a máquina punha-se novamente em movimento. Hoje, como todos sabem, já não é assim: talvez a atenção das pessoas seja menor, mas já não há interrupção nem pausa, menos ainda em ano de eleições autárquicas, com tanta coisa em jogo.

Na verdade, o país não se pode dar ao luxo de parar. Os problemas acumulam-se, apesar de a pandemia, ainda hoje, dominar as atenções. Por exemplo, a situação das contas públicas continua preocupante, talvez mais do que nunca, designadamente no que diz respeito à dívida pública. Apesar da gravidade do tema e das chamadas de atenção – aliás, dos avisos explícitos – que têm sido feitos nos últimos meses a partir da Alemanha, o governo parece não estar demasiado preocupado. Os juros da dívida pública, historicamente baixos em todas as maturidades graças ao rolo compressor do BCE, retiram a pressão imediata sobre as contas públicas. Ora bem, sem esta sensação concreta de “dor” e de “perigo”, o tema deixa literalmente de existir. Ou seja, não apenas sai do debate político-partidário, como permite a quem gere os dinheiros públicos uma espécie de folga extra.

É apenas assim que se consegue explicar o número de funcionários públicos, que aumentou 3% no primeiro trimestre deste ano, face ao mesmo período do ano passado, o que representa a maior variação homóloga trimestral desde dezembro de 2011. Trata-se de mais 21 345 pessoas do que há um ano. Os dados divulgados ainda são preliminares, como escreveu neste jornal o jornalista Luís Reis Ribeiro, mas apontam para 725 775 trabalhadores no Estado, o que nos recoloca de novo próximo dos valores que existiam no ano em que a troika chegou a Portugal. Ora bem, a pandemia justifica em parte este aumento, mas a tendência não só não é recente como dos novos 21 mil funcionários, a contratação de profissionais para o SNS teve direito a apenas um terço – 7892 trabalhadores. A pandemia, como se vê, não consegue justificar tudo…

Não estamos, certamente, em condições de suportar orçamentos austeritários. Precisamos, pelo contrário, de uma política orçamental que estimule a recuperação e a transformação da economia, aproveitando a tal folga extra. No entanto, essa folga é meramente temporária.

Acrescentar mais pessoas e mais despesa pública fixa não parece ser a melhor solução para o os desafios com que nos deparamos. O Estado precisa naturalmente de pessoas. Mas também precisa de se atualizar, modernizar, digitalizar e agilizar. Com os impostos sobre as famílias e sobre empresas já muito para além do limite do razoável e com o aviso de que os juros artificialmente baixos serão invertidos mais cedo do que tarde – o tal aviso de Berlim… – onde será que o governo se pretende financiar? Ou será que a bazuca vai acabar por pagar muita despesa corrente? O país precisa de mais investimento, público e privado, para criar riqueza e, então, sim, gerar emprego onde ele é mesmo necessário.