por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 28.05.2022

No primeiro trimestre do ano, o PIB português cresceu 2,6% em cadeia e 11,9% relativamente ao primeiro trimestre de 2021: as mais altas taxas entre os Estados-membros da União Europeia.

Após o forte arranque do ano, a Comissão Europeia projeta agora que o PIB de Portugal cresça 5,8% em 2022, a taxa mais elevada entre os 27. É preciso recuar a 1990 para encontrarmos um ano em que o crescimento em Portugal tenha sido superior a este valor.

Para o governo, tudo isto comprova a robustez da nossa economia e as sólidas bases de crescimento futuro, e reforça a confiança nas nossas políticas públicas. Afinal, os números aparentemente são-nos favoráveis. Como entender, então, a angústia das empresas, as reivindicações dos seus representantes, os alertas dos economistas, o pessimismo do cidadão comum?

Não ponho em causa os números nem a credibilidade das previsões da Comissão Europeia. Mas é preciso olhá-los com cuidado, discernindo o que na verdade significam.

O crescimento previsto para 2022 será efetivamente elevado? Estamos, afinal, ao abrigo de uma recessão?

Temos de ter em conta o que os técnicos designam por efeito carry over: este efeito estatístico faz as taxas de crescimento anuais depender não apenas do crescimento ao longo do ano em curso, mas também da dinâmica de crescimento no ano anterior.

Além disso, conhecemos já o desempenho (de facto, acima das expectativas) no primeiro trimestre. Assim, se a economia parasse pura simplesmente de crescer ao longo dos segundo, terceiro e quarto trimestres, o crescimento no cômputo do ano seria nada menos do que 6,4%. Um crescimento de 5,8% significa, assim, que os próximos meses serão duros para Portugal.

As previsões da Comissão Europeia, trimestre a trimestre, apontam para uma queda do PIB em cadeia de 1,5% neste trimestre (por sinal, a redução mais profunda entre os 27), seguida de alguma recuperação na segunda metade do ano. Se estas previsões se comprovarem, chegaremos ao final do ano com o PIB 1,8% acima do valor anterior à crise pandémica, enquanto a União Europeia como um todo estará 2,6% acima. Afinal, onde está a convergência?

Mais uma vez, o impacto desta crise será mais profundo em Portugal, apesar de, desta vez, sermos dos países diretamente menos expostos ao novo choque.

Além disso, como tenho vindo a alertar, caso não seja possível conter uma espiral de inflação que alastre dos preços para os salários, assumindo uma natureza mais estrutural, o Banco Central Europeu ver-se-á na inevitabilidade de aumentar significativamente as taxas de juro, agravando e prolongando o movimento recessivo que a guerra está a causar.

Não há motivo para festejarmos. Não há motivo para subestimar a gravidade da situação em que se encontra a economia portuguesa.

Mantendo-se, em Portugal e na Europa, uma atitude de complacência face às sérias ameaças de estagflação, não vislumbro, de facto, “sólidas bases de crescimento futuro”.