por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 05.02.2022

Ao ciclo político que agora começa deverá corresponder um novo ciclo económico que, perante todos os desafios, externos e internos, que se adivinham, nos permita trilhar um percurso de crescimento e convergência.

Afirmei neste espaço, antes das eleições, a importância de uma solução política que garantisse um claro e consistente suporte parlamentar ao próximo governo. Só assim, com estabilidade política, seria possível promover as reformas de que o país necessita para sustentar esse novo ciclo de crescimento em bases sólidas e duradouras.

Dando uma maioria absoluta no Parlamento a uma única força política, o voto dos portugueses tornou essa solução mais fácil e evidente, afastando os receios que persistiram sobre a governabilidade do país. Contudo, para alicerçar em bases firmes e perduráveis as reformas de que necessitamos, há toda a conveniência em ir além da maioria absoluta e procurar consensos e compromissos mais alargados. A vontade de diálogo para promover esses consensos, expressa por António Costa no seu discurso de vitória, é, desde logo, um bom prenúncio.

Além de estabilidade política, precisamos também de estabilidade social. Espero que seja agora possível valorizar o papel da Concertação Social na construção dessa estabilidade e no impulso com vista a políticas mais realistas e mais favoráveis a uma dinâmica de ganhos de produtividade que possam suportar aumentos de rendimentos. Também neste domínio, a referência explícita de António Costa à Concertação Social, na noite das eleições, foi um sinal promissor.

Finalmente, é preciso vontade política. Espero que o próximo governo transforme a margem de manobra que ganhou em ambição e determinação para pôr no terreno políticas e reformas que vençam muitos obstáculos que travam o crescimento e que sucessivos governos não têm conseguido resolver.
Espero que o próximo governo, liberto das pressões que condicionavam o anterior, atue em conformidade com a rejeição que o povo português renovou e reforçou relativamente às forças hostis à iniciativa privada.

Se, por outro lado, compreendo a necessidade de combater populismos, então é preciso responder aos anseios dos cidadãos com soluções realista, não deixando aos promotores da demagogia o monopólio da promessa de um futuro mais próspero. E, se os populistas apresentam como trunfo a sua coragem na denúncia da corrupção, então é preciso afirmar igual coragem na defesa intransigente da transparência e da integridade.

Nem tudo dependerá, é certo, da vontade política dos nossos responsáveis políticos. Os estrangulamentos do lado da oferta de matérias-primas, a escalada dos preços da energia, o perigo de estes se repercutirem em inflação persistente, o retorno de taxas de juro mais elevadas, o aumento das tensões geopolíticas, tudo isto são fatores externos adversos que, em grande medida, escapam ao nosso controlo. Em contrapartida, é preciso agir sobre os fatores internos, que podemos controlar. À incerteza inerente ao mundo em que vivemos, não podemos somar inércia ou falta de coragem.

A responsabilidade do próximo governo é, por isso, grande; tão grande quanto a margem de manobra que obteve.