por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 26.08.2023

No período de janeiro a junho, a conta consolidada das administrações públicas, apresenta as seguintes variações entre 2022 e 2023: receita efetiva, mais 14,1%, ou seja, mais 6,5 mil milhões de euros. Só a receita fiscal subiu 8,4% – mais 2,2 mil milhões. Digamos que tem sido um ano muito bom, quase ótimo, para o Estado, disposto a aproveitar ao máximo a asfixia das famílias e empresas, a bonança (para quem recebe impostos) da inflação alta e a consequente captação extraordinária de recursos que ela oferece aos cofres públicos há mais de ano e meio.

Os ventos incham as velas do Estado como há muito não acontecia. A memória, ainda recente, dos anos da pré-falência e da troika surgem no imaginário colectivo apenas como um sonho mau, um pesadelo, em que o mesmo Estado rapava tudo o que havia para rapar, vendia, aumentava taxas e impostos, cortava e encolhia de mês para mês – na tentativa de saldar a montanha de dívida acumulada e a exclusão dos mercados internacionais. Realmente, num instante, embora na altura parecesse interminável, tudo mudou. A inflação galopante que se fez sentir e parece – mantenhamos a prudência – a caminho de ser domada, deu lugar a um período, que já podemos considerar duradouro, de lucros extraordinários para o Estado.

Mas importa olhar para o lado da despesa. Estará o Estado¸ com a memória dos anos da pré-falência e da troika, a usar de forma parcimoniosa e inteligente o dinheiro que subtrai à Economia? Estará a despesa pública em níveis inferiores àquela que resultou dos anos Covid? Infelizmente, a resposta é negativa. O Estado gastou mais, aliás, gasta cada vez mais.

O que verdadeiramente me preocupa está à vista de todos: a gestão do dinheiro de todos nós, as escolhas que são feitas e tudo o que fica por fazer, deixa muitíssimo a desejar. Já sabemos que o ministro das Finanças vai acabar com as cativações orçamentais, esse recurso de emergência que depressa se converteu em prática permanente da atual governação. As cativações a torto e a direito vão finalmente cair do pedestal – no entanto, a praxis do OE lusitano deverá manter-se tal e qual: gastar, gastar tantas vezes mal e pouco mais.

É evidente que estamos a atravessar um momento de extrema vulnerabilidade. Em agosto, a economia europeia travou, como sugere o índice dos gestores de compras da zona euro. Este indicador caiu muito mais do que o esperado, encontra-se agora no nível mais baixo desde há quase três anos. Dito de outra forma: terá havido um forte arrefecimento da atividade económica entre os países da moeda única, em particular na Alemanha. Ora bem, com muitas famílias já fora de pé por causa da dupla perdão de juros/inflação e com demasiadas empresas em esforço máximo, onde deveria o governo aplicar o dinheiro dos contribuintes e onde deveria poupá-lo para momentos e necessidades futuras?

A carga fiscal está nos Himalaias. A despesa pública estrutural – a que fica e tantas vezes se agrava de ano para ano – não pára de aumentar. Só mesmo o Estado engorda e beneficia, mas sem verdadeiramente ajudar os outros, todos nós, de forma convincente e duradoura. Se num período de vacas gordas (para a coisa pública) nada mudou, quando mudará? Se não for agora que há alguma receita, quando será? Aliás, se a despesa pública não for apenas a estritamente necessária, parecerá sempre que a receita nunca é ou será a suficiente. Os portugueses não têm ideia do que é uma significativa redução de impostos; têm, sim, memória dos brutais aumentos de impostos a que estão sujeitos pelo desvario das contas públicas.