por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 10.10.2020
Foi apresentado publicamente, nesta semana, o estudo sobre a carga fiscal em Portugal promovido pela CIP e realizado pela Ernst & Young / Sérvulo & Associados.
Na análise comparativa com outros países, tanto os indicadores que os autores do estudo construíram, como os que compilaram de relatórios internacionais, mostram claramente que, não só comparamos mal com a generalidade da Europa ou da OCDE, como temos piorado a nossa posição nos últimos anos.
Mas o estudo foi mais além, identificando duas tendências que se entrecruzam e mostram a deriva em que se encontra o enquadramento fiscal das empresas portuguesas.
Uma dessas tendências é a focalização do sistema fiscal em determinados setores de atividade económica, supostamente dotados de maior capacidade tributária. Frequentemente qualificados como temporários, extraordinários, ou especiais, os novos tributos que surgem, ano após ano, vão-se cristalizando no tempo.
Além do adicional de solidariedade sobre o setor bancário, no Orçamento Suplementar, as últimas novidades, a este respeito, foram, no Orçamento do Estado para 2020, a contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do Serviço Nacional de Saúde e a contribuição especial para a conservação dos recursos florestais.
Por outro lado, o estudo evidencia a progressiva deslocação da tributação tradicional para um modelo tributário assente numa multiplicidade de figuras, nomeadamente, taxas, contribuições e outros tributos. Figuras que, muitas delas, escapam às estatísticas e às habituais análises ao nosso sistema fiscal.
Concluiu-se, a este respeito, que o problema não reside apenas na quantidade de taxas em vigor. O problema está no peso, em termos financeiros, que representam para as empresas e, sobretudo, numa realidade que se afasta cada vez mais dos princípios de legalidade, igualdade e proporcionalidade que deviam disciplinar a criação e o valor destas taxas.
A complexidade e imprevisibilidade (que já era significativa no caso da fiscalidade tradicional) aumenta com a maior discricionariedade deste tipo de tributos.
Poderíamos contrapor com o facto de muitas das taxas que são cobradas corresponderem a um preço por serviços prestados pelas mais variadas entidades da Administração. O próprio conceito de taxa implica, de facto, a contrapartida de uma prestação administrativa.
Acontece que esses serviços são, frequentemente, de “consumo obrigatório”, decorrentes de obrigações legais que se vão multiplicando, numa teia de exigências cada vez mais complexas que recai sobre a atividade empresarial. Além de suportarem a burocracia, as empresas financiam-na.
Acontece, também, que, em determinadas situações, não é claro o serviço prestado pelas entidades públicas. Deparamo-nos, assim, com taxas que são verdadeiros impostos encapotados.
Acresce que não são raros os casos em que os valores das taxas são claramente desproporcionais face aos serviços prestados.
Em conclusão, é preciso pôr ordem nesta realidade, que, à avidez do fisco por mais receita, sobrepõe a avidez de toda a máquina da Administração Pública.