por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 21.01.2023

Este ano, o Fórum de Davos teve como pano de fundo o impacto da guerra na Ucrânia: um impacto que, tornando o mundo mais fragmentado, exige, por isso, mais cooperação. Daí o tema escolhido ter sido “Cooperação num mundo fragmentado”.

Dei particular atenção ao discurso da presidente da Comissão Europeia. Não trouxe particulares novidades, mas teve o mérito de reconhecer duas importantes vertentes desta fragmentação, que dificulta o caminho para um mundo mais sustentável e resiliente.

A presidente da Comissão Europeia foi clara ao afirmar que a flexibilização das regras dos auxílios estatais são uma solução limitada que apenas alguns Estados-membros podem utilizar. A Alemanha e a França concentraram nas suas economias 77% dos 672 mil milhões de euros autorizados por Bruxelas ao abrigo do Quadro Temporário de Crise para os auxílios estatais. Este número revela bem os riscos de desequilíbrio no funcionamento do mercado único, prejudicando os países com menos capacidade financeira, como alertou o Ministro das Finanças português.

Assim, Ursula von der Leyen defendeu que, para evitar um efeito de fragmentação no mercado único e apoiar a transição para tecnologias limpas em toda a União, devemos também aumentar o financiamento da União Europeia. A solução apresentada – a criação de um Fundo Soberano Europeu – foi a mesma que tinha já avançado em setembro. No entanto, passados mais de quatro meses, continuamos sem saber, em concreto, em que consistirá este fundo e como será financiado, numa Europa que não possui as receitas ou os excedentes que tradicionalmente alimentam esses fundos. Entretanto, o problema permanece.

Relativamente aos Estados Unidos e ao seu Inflation Reduction Act, a presidente da Comissão foi muito cautelosa, falando nas preocupações levantadas por elementos dessa lei, em particular no que respeita a alguns dos incentivos direcionados para as empresas.

O que está em causa são os elementos distorcivos dos créditos fiscais às empresas norte-americanas, que discriminam os componentes importados usados no fabrico de carros elétricos ou para a produção de energias renováveis. Estes incentivos permitem às empresas americanas competir no mercado internacional com preços mais atrativos e desviam investimento que poderia vir para a Europa.

É indispensável uma firme determinação nas negociações em curso com os Estados Unidos, para garantir que os programas de incentivo de ambos os lados do Atlântico sejam justos e se reforcem mutuamente.

Em ambos os casos, torna-se claro que a solução de “cada um por si” contém sementes de desagregação que não podem ser toleradas. Em ambos os casos, é preciso reafirmar a velha máxima de que a união faz a força, sobretudo quando Putin nos vai regularmente lembrando que existe uma guerra contra o “Ocidente global”.