por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 16.09.2023

Este ano e o anterior foram excelentes para a Fazenda Pública. Foram anos ricos. Quase maravilhosos. Será que foram igualmente generosos para a economia nacional e para os portugueses? Ao contrário dos anos anteriores, o Estado não gastou mais do que tinha – e isto aconteceu porque cobrou mais impostos, não porque tivesse despendido menos. Infelizmente, não reduzimos sabiamente a despesa. O Governo aumentou muitíssimo as receitas à boleia da inflação e, claro, às costas dos impostos – altíssimos. É verdade: não tivemos menos despesa, o Governo não parece ter-se sequer preocupado muito com isso; a redução do défice foi um caminho feito só pelo lado da receita.

O conceito de Fazenda Pública aplica-se, de uma maneira geral, às receitas e despesas do Estado central e ao respetivo aparelho administrativo. Antes da noção de Estado existia um conjunto patrimonial e uma série de direitos, competências e deveres associados à pessoa do monarca. Com o tempo, a organização da própria casa real foi criando a necessidade de especificar as verbas a atribuir a cada atividade ou rubrica: pagamentos a vassalos, manutenção de exércitos, custeio de guerras e resgate de cativos, subsídios, etc.. A necessidade de realizar obras em benefício das populações – entre outras obrigações – levou também à criação de novos organismos.

Assim, com o progresso civilizacional, a sofisticação e complexificação da Economia a administração da casa real e a administração do reino foram-se diferenciando. A função – única, exclusiva – de velar pelas contas do monarca e da Sua Fazenda Pública deu lugar a outras funções assumidas pelo Estado: naturalmente, as funções de soberania e as sociais, mas também, cada fez mais, as funções, digamos, económicas, como, por exemplo, garantir baixos custos de contexto para a atividade das empresas.

Hoje, portanto, além do Ministério das Finanças, temos na orgânica do Governo pastas que cumprem funções imprescindíveis em áreas que vão da economia à educação, passando pela saúde, justiça, defesa, cultura, etc.. Os serviços públicos são prestados, de forma direta, pelo Estado através do setor público ou, indiretamente, por empresas privadas – ao cidadão interessa cada vez mais a disponibilidade e a qualidade do serviço, não quem presta o serviço. Esta dinâmica tem como objetivo assegurar e alargar a existência de um “level playing field“, isto é, que existam de facto condições equitativas de acesso que permitam a existência de um campo de jogo equilibrado – aberto a todos os concorrentes – de maneira a que o resultado seja o melhor possível para o cidadão (melhor serviço) e para o Estado (menos despesa).

A poucas semanas da apresentação do orçamento para 2024 a pergunta que devemos fazer e o debate que talvez deva antecipar todos os outros é bastante simples: queremos outra vez mais dinheiro nos cofres do Estado ou preferimos mais liquidez nos bolsos dos portugueses? A redução da dívida pública é certamente um ponto a ter em conta, seria monstruoso repetirmos os erros do passado recente. Dito isto, é fundamental problematizar mais um pouco o assunto.

O Governo tem 17 ministérios a que correspondem outras tantas funções: portanto, olhar apenas para o prodígio da diminuição da dívida significa excluir outras políticas públicas também fundamentais; políticas que, a prazo, serão precisamente as que vão permitir pagar e reduzir mais a dívida pública. É bom nunca esquecermos que sem investimento e com baixo crescimento económico, como acontece hoje, será inevitável 1) o empobrecimento dos portugueses, 2) o Estado perderá a receita que hoje abunda e 3) voltaremos a navegar mares encrespados. Hoje, esse cenário parece longínquo, mas a realidade é que vem aí um ano de enormes desafios. A fatia da riqueza devorada pelo Fisco não pode continuar a ser o alfa e o ómega da governação. É preciso semear agora para colher mais à frente.