“A hora precisa de estadistas”

Portugal acaba de assumir a presidência do Conselho da União Europeia, num momento especialmente desafiante para a Europa e para o mundo. Em entrevista à Revista Indústria, o Ministro dos Negócios Estrangeiros diz que gostaria que a presidência portuguesa fosse recordada como a presidência que pôs no terreno os instrumentos fundamentais de resposta à atual crise. Já quanto à posição geopolítica de Portugal na contenda EUA-China, Augusto Santos Silva diz que a posição portuguesa é muito clara: “A China e Portugal não são aliados. Portugal e os EUA são aliados e aliados muito próximos”.

 

Esta é a 4ª presidência portuguesa da União Europeia (UE). As anteriores ficaram marcadas por importantes reformas históricas, como a PAC ou o Tratado de Lisboa. Como gostaria que esta presidência portuguesa viesse a ser recordada?

Como a presidência que pôs no terreno os instrumentos fundamentais de resposta à atual crise. Primeiro, a estratégia de vacinação massiva, universal e gratuita na UE. Segundo, os novos programas do quadro financeiro plurianual, entre os quais se contam programas muito importantes para as empresas e para as pessoas, como, por exemplo, o novo programa Erasmus +, o novo programa Horizonte Europa, e o novo programa de investimentos na União Europeia. E terceiro, garantir a aprovação dos 27 planos nacionais de recuperação e resiliência que beneficiarão do novo programa Nova Geração e do Fundo de Recuperação.

De que forma a pandemia alterou ou condicionou as prioridades para a presidência portuguesa da UE?

Diria que a pandemia tornou mais evidente a necessidade de prosseguir as prioridades da presidência portuguesa. A presidência portuguesa foi sempre planeada em função de três grandes prioridades. A primeira é assegurar a recuperação económica europeia de forma justa, digital e ecológica. A pandemia veio mostrar, por exemplo, quão importante era acelerar a estrutura digital, quer na economia, quer no comércio, quer nos serviços, mas também na educação ou na administração pública.

A segunda grande prioridade da presidência portuguesa é a ênfase na dimensão social da Europa. O modelo social europeu não é um obstáculo ao crescimento nem ao emprego. Pelo contrário, é o motor de crescimento do emprego e de rendimentos na Europa. O que distingue a Europa é esta conceção de que a democracia deve ser socialmente avançada e a economia de mercado deve ser uma economia social de mercado. Sempre que investimos nas qualificações das pessoas, sempre que garantimos a segurança social, sempre que investimos na proteção social e nos serviços públicos de bem-estar, fortalecemos a economia e a proteção social da Europa. Ora, a pandemia veio mostrar à evidência a necessidade da Europa investir mais nos seus sistemas de saúde e, em particular, nos seus serviços públicos de saúde.

A terceira prioridade da nossa presidência é valorizar o papel da Europa no mundo. A pandemia veio mostrar que é muito importante o processo de reindustrialização da Europa: é preciso encurtar as cadeias de valor e assegurar que bens que para nós são essenciais, como por exemplo aqueles ligados às indústrias farmacêuticas e aos equipamentos médicos, devem estar sob controlo europeu. Por outro lado, a pandemia veio também demonstrar que precisamos de mais, e não de menos, multilateralismo. E a Europa é uma força liderante do mundo nas grandes agendas multilaterais como a agenda do clima, como a agenda do desenvolvimento sustentável ou como a agenda da resposta global a crises globais como, por exemplo, as crises pandémicas. Portanto, diria que a pandemia não nos obrigou a inverter as prioridades mas levou-nos a reforçar as prioridades da nossa presidência.

Falava no domínio social, que será uma das prioridades da presidência portuguesa.  Considera que esta dimensão social tem atualmente sustentação económica?

O pilar social é um dos pilares do crescimento económico europeu e é muito importante que todos tenhamos consciência disso. Em primeiro lugar, para que a dupla transição que é preciso fazer – a transição energética e climática, de um lado, e a transição digital do outro – tenha sucesso. Para isso é necessário que as pessoas compreendam que ela não coloca em causa os seus empregos, o seu bem-estar, as suas oportunidades. Pelo contrário. O que é característico – e insisto – do modelo europeu, é compreendermos que, se valorizamos a concertação social, as relações industriais, o salário mínimo, a negociação coletiva, os direitos dos trabalhadores, o diálogo positivo entre trabalhadores e empregados, estamos a melhorar as condições da nossa competitividade e a melhorar os fatores do nosso crescimento. 

E que papel fica reservado ao diálogo social nesta matéria?

É um papel decisivo, desde log do ponto de vista político. Esta ênfase na dimensão social da Europa terá uma expressão muito concreta na nossa presidência, que será a Cimeira Social no Porto, em maio. A Cimeira Social do Porto é composta por dois grandes momentos. O segundo momento é a reunião dos líderes europeus – o Conselho Europeu informal – que dará o impulso político à implementação do pilar europeu dos direitos sociais. E o primeiro momento – que ocupa o primeiro dia da cimeira – é justamente uma conferência de alto nível, reunindo as instituições europeias, os parceiros sociais, governos, a academia, etc. Portanto, do ponto de vista político, a participação dos parceiros sociais é essencial para que este impulso para a implementação deste pilar europeu dos direitos sociais tenha lugar.

É também importante do ponto de vista concreto, porque o pilar europeu dos direitos sociais não é apenas uma proclamação. Em fevereiro teremos o plano de ação para a implementação do pilar europeu dos direitos sociais, publicado pela Comissão Europeia. Estamos a falar de medidas tão importantes como uma nova garantia para a infância – garantindo que nenhuma criança fica excluída por razões económicas do acesso à educação e do acesso à saúde – ou o quadro regulamentar europeu para o salário mínimo. Evidentemente, estas duas medidas e outras que estamos a preparar, só podem ser levadas à prática, no bom método europeu, com diálogo social.

Sobre as recentes tensões políticas na Europa… as qualidades diplomáticas portuguesas são amplamente reconhecidas. Quais são os dossiers onde esta diplomacia será essencial? 

O Conselho Europeu aprovou, ainda sob a presidência alemã, o quadro financeiro plurianual e o Fundo de Recuperação e chegou também a acordo sobre as novas metas de ação climática para a Europa no Horizonte 2030. Portanto, desse ponto de vista, o trabalho da diplomacia portuguesa está facilitado. Trata-se de concretizar e não de proporcionar ainda uma decisão.

(Não sabemos, à data em que falamos, se vamos ter, como nós esperamos, um acordo sobre a relação futura com o Reino Unido até ao fim deste ano. Portanto, se não tivermos este será um encargo também para a presidência portuguesa. Mas, de qualquer maneira, já sabemos que se não houver esse acordo não haverá disrupção induzida pelos europeus, visto que já aprovamos um plano de contingência que significa garantir, por exemplo, esta coisa tão importante, como continuidade dos transportes rodoviários e aéreos entre a Europa e o Reino Unido no próximo semestre.)

Há uma área que proporciona atualmente uma nova oportunidade e que a diplomacia portuguesa será, certamente, chamada a concretizar: a área das relações transatlânticas. A nova administração norte-americana é uma administração pró-multilateralismo, pró-NATO e consciente de que europeus e norte-americanos são os aliados mais próximos, mais fiáveis e mais permanentes. Recentemente, o primeiro ministro português reuniu-se com o secretário geral da NATO e também com o presidente do Conselho Europeu, justamente para acertarem as melhores datas para que se realize, tão breve quanto possível, uma cimeira entre europeus e norte-americanos, para aproveitar este novo caminho que se abre.

Também contamos poder contribuir, enquanto presidência do Conselho Europeu da União Europeia, para o desbloquear de relações económicas entre a Europa e a Índia. Uma reunião de alto nível dos líderes europeus com o primeiro ministro indiano será, igualmente, um ponto alto da presidência portuguesa. Trata-se de a Europa olhar com mais atenção para este grande ator global que é a Índia, olhar com mais atenção para a região do Indo-Pacífico e de incrementar o relacionamento económico.

Em novembro, foi concluído um acordo comercial e económico entre 15 países orientais, da Ásia e da Oceânia, que no seu conjunto valem 30% da população mundial e praticamente 30% do produto mundial. E notamos, com uma certa mágoa, que há dois atores que faltam nesta dinâmica: os EUA e a UE. Isso não pode acontecer. A UE tem de olhar com mais atenção para o Oriente: para a China, certamente, mas também para a Índia, para os seus aliados tradicionais que são o Japão, a Coreia, a Austrália e a Nova Zelândia, e também, por exemplo, para o Sudeste Asiático que vale quase 10% da população mundial.

Mesmo com o acordo alcançado entre os 27 em relação ao Fundo de Recuperação, dificilmente este dinheiro começará a chegar à economia real antes de meio de 2021. Considera este compasso de espera problemático?

Não considero demasiado problemático por duas razões: em primeiro lugar, porque temos ainda um caudal importante de financiamento à economia ao abrigo do atual quadro financeiro plurianual 2014-2020. Existe a regra do chamado N+3, que permite que as despesas sejam realizadas até três anos depois de terminado o quadro. Em segundo lugar, porque tomámos medidas exatamente para garantir uma chegada rápida de financiamento e até de liquidez. Entre essas medidas recordo: o programa SURE, que está já em prática e que significou um financiamento imediato às despesas dos Estados, designadamente com medidas de substituição de rendimentos, de formação e de lay-off; a duplicação do financiamento disponibilizado pelo Banco Europeu de Investimentos; e, sobretudo, o facto de, mesmo em relação a próximos programas, como o chamado REACT, as verbas poderem ser utilizadas para cobrir despesas realizadas a partir de fevereiro passado. Por isso, o que é muito importante agora é que a colocação no terreno dos novos instrumentos financeiros seja o mais rápida possível. E por isso é que comecei esta entrevista a dizer que essa é mesmo a prioridade imediata da presidência portuguesa.

 

Estamos a falar de quase um ano entre o acordo político alcançado no Conselho Europeu de julho de 2020, sobre os fundos, e a sua chegada às empresas. As burocracias europeias são um entrave à competitividade da economia europeia?

São certamente. Mas neste caso recuso que tenha havido burocracia. Pelo contrário. As decisões do Conselho Europeu de julho de 2020 foram absolutamente adequadas e tempestivas. Correram no tempo certo. Chamo a atenção para que o novo fundo de recuperação significa a mobilização por parte da Comissão Europeia, com garantias de todos os Estados-membros, e em nome de todos os Estados-membros, de 750 mil milhões de euros nos mercados financeiros e isso é uma novidade absoluta na história europeia. E depois, parte importante do pagamento desse empréstimo far-se-á através de novos recursos próprios da UE e esse é também outro passo histórico no percurso da nossa União.

O braço de ferro com a Polónia e a Hungria sobre a questão do Estado de Direito fez ressurgir a dicotomia entre defesa de valores e pragmatismo. Poderemos continuar, no futuro, a conciliar de forma pragmática diferentes visões sobre o que são os valores da Europa?

Não creio que tenha havido nenhuma cedência dos princípios ao pragmatismo. Os polacos e os húngaros apresentaram-nos duas grandes resistências sobre o mecanismo de condicionalidade. O primeiro argumento era de que estávamos a invadir um domínio de soberania nacional e o segundo era de que faltava segurança jurídica e que estávamos a tentar penalizá-los por razões políticas. A solução a que se chegou permite responder a esse argumento de suposta ausência de segurança jurídica. Porque o que dizemos – e agora dizemos todos, os 27 –  é que esta norma produz efeitos daqui para a frente. Não produz efeitos sobre o atual quadro financeiro, produz efeitos sobre o próximo, 2021-2027. E depois dizemos que num Estado de Direito, como é a UE, quando há dúvidas sobre a legalidade das decisões recorre-se ao Tribunal. Portanto, o que os líderes acertaram é que a Comissão Europeia não aplicará este mecanismo de condicionalidade antes de ele ser examinado e validado pelo Tribunal Europeu de Justiça. Não há aqui nenhum pragmatismo. Há apenas um esclarecimento, uma segurança jurídica adicional, que se dá a dois Estados-membros.

Mas considera que continua a existir lugar à mesa dos 27 para aquilo que são múltiplos entendimentos e práticas dos valores europeus?

Dito assim, a minha resposta seria sim. Porque a Europa é um mosaico de diversidades nacionais e, às vezes, até infranacionais. E a riqueza da nossa união também se faz desta diversidade. Agora, essa diversidade faz-se num quadro comum. E o quadro comum está bem estabelecido no artigo 2º do Tratado de Lisboa. A nossa União é uma união de Estados que todos eles assumem a forma política de democracias, respeitam os direitos humanos e organizam-se segundo o modelo institucional conhecido como Estado de Direito – independência dos tribunais, liberdade de imprensa, direitos das minorias, etc.

Sim, mas por alguma razão houve a necessidade de colocar condicionalismos ao desembolso destes fundos…

Temos neste momento um problema dentro da UE. Tivemos que ativar, pela primeira vez, o artigo 7º do Tratado que permite tomar medidas contra Estados-membros porque esses Estados-membros não cumprem os valores europeus que atrás referi. Evidentemente que esse é um problema, ninguém o ignora.

Mas haverá mecanismos para ser ultrapassado…

E se não forem ultrapassados haverá mecanismos para extrair as devidas consequências.

Portugal, juntamente com mais oito países solicitou recentemente que a UE ratificasse rapidamente o acordo com o Mercosul. Quais os bloqueios que estão a travar este acordo e como poderão ser ultrapassados?

O bloqueio principal reside em alguns países europeus que estão a exigir um maior compromisso dos países do Mercosul com as metas ambientais. Em particular com a ação climática e com o Acordo de Paris. Consideramos que esse pedido é acomodável. Não se trata de reabrir a negociação, que aliás demorou quase 20 anos, não se trata de reabrir o texto do acordo a que se chegou em junho de 2019, mas podemos sempre, através dos instrumentos jurídicos convenientes – uma declaração, um anexo – esclarecer melhor este ou aquele ponto. Para a presidência portuguesa esse é um objetivo importante. Até por uma questão de credibilidade da UE, que deve cumprir a sua palavra.

Portugal tem uma agenda para o reforço das relações da UE com África, que tem sido, aliás, uma marca das presidências portuguesas.  De que forma é que a presidência portuguesa poderá aprofundar as relações UE-África?

Destacaria três planos complementares. O primeiro é a assinatura e implementação do acordo de cooperação, chamado pos-Cotonou, com a África Subsariana, para além das Caraíbas e do Pacífico, cuja negociação foi concluída com êxito no passado mês de novembro. E, portanto, será uma responsabilidade nossa acelerar, mais uma vez, a passagem ao terreno desse acordo. Em segundo lugar, desenvolvendo a estratégia conjunta de parceria entre a UE e a União Africana, que tem uma agenda muito rica, muito densa e muito diversificada, que vai desde as questões de segurança e defesa até às questões de investimento e comércio. Em terceiro lugar, e com particular atenção, há um apoio que a UE pode dar em relação a regiões africanas que vivem hoje problemas de instabilidade ou crise severos. Dou um exemplo: a África Oriental, desde a Somália a Moçambique, ou o Sahel; também regiões africanas com as quais, tradicionalmente, a UE tem uma vizinhança muito próxima e tem hoje questões muito complexas a tratar. Basta pensar, por exemplo, no Norte de África e nos fluxos migratórios.

A nova presidência norte-americana ditará o regresso dos EUA à multilateralidade e às instituições internacionais. Qual a importância desta nova ordem para a UE?  

É importante desenvolver uma relação positiva e próxima com os EUA. Deixe-me ir ao concreto: tínhamos em curso com a Administração Obama a negociação de um Tratado Comercial Transatlântico. A Administração Trump suspendeu as negociações e, pelo contrário, passou a conduzir uma “guerra” comercial contra a UE, a propósito da Airbus, a propósito do alumínio, a propósito do aço, etc. Os interesses dos dois blocos não são convergentes em todas as áreas mas a nossa obrigação é lidar com essas divergências da forma como os amigos e os aliados lidam: através da negociação, do compromisso, de cedências recíprocas, etc. Ponto dois: uma das coisas mais espantosas – “espantosas” em sentido literal – uma das coisas com que o Presidente Trump espantou os europeus, foi com a sua declaração de que a NATO era uma instituição obsoleta, que os europeus andavam à boleia dos americanos em matéria de defesa, que já não eram confiáveis, etc. O Presidente Biden diz exatamente o contrário: que o laço transatlântico é absolutamente essencial, que a NATO é a melhor expressão desse laço. Ora, a complementaridade entre a UE e a NATO é absolutamente vital, até para evitar desperdício de recursos. Terceiro ponto e talvez o mais importante: a ação climática. A UE é muito clara. O Conselho Europeu chegou a acordo sobre a nossa meta de atingir a neutralidade carbónica até 2050 e reduzir a emissão de gases com efeito de estufa em 55% até 2030. Mas a UE é menos de 500 milhões de pessoas. Não conseguimos evitar o sobreaquecimento do globo sem esses dois portentos económicos, que são os EUA e a China. A China já disse que até 2060 chegaria à neutralidade carbónica. Os EUA, infelizmente, sob a administração Trump, até se tinham retirado do Acordo de Paris. Quando o Presidente Biden diz “a primeira coisa que farei, no primeiro dia das minhas funções, será regressar ao Acordo de Paris”, nós só podemos dizer “bravo”. Porque é absolutamente essencial trabalhar em conjunto com estes blocos, e outros grandes países, para que as metas climáticas que, como bem diz Guterres, são uma condição de sobrevivência do Planeta como tal, sejam cumpridas.

Em relação a Portugal, que se viu na posição de “palco” das tensões entre estes dois blocos – EUA e China – o que é que espera que se altere? Será possível continuar a fazer a ponte entre Ocidente e Oriente, como foi tradicional até agora?

Recuso veementemente essa ideia falsa de que Portugal seja um palco de conflito entre os EUA e a China. Primeiro, porque Portugal não é palco de ninguém. Portugal é um país, é o Estado-nação mais antigo da Europa e é um país que tem um posicionamento geopolítico e uma política externa muito consolidada, atravessando aliás diferentes governos e gerações de políticos. As nossas opções fundamentais foram feitas na transição democrática e são elas que nos guiam: Europa, ligação atlântica, comunidades portuguesas e mundo de língua portuguesa. Como qualquer outro Estado europeu, temos relações económicas e relações comerciais com a China e que queremos desenvolver. E queremos desenvolver de forma mais equilibrada. Porque neste momento importamos o dobro do que exportamos para a China. E, portanto, saudamos as aberturas, aliás sempre muito lentas, da China a produtos portugueses, designadamente aos produtos agroalimentares. E saudamos o facto de existirem empresas portuguesas que estão a investir na China e existirem empresas chinesas que estão a investir em Portugal. E fazemos isso no quadro do respeito, pela nossa própria lei e pela lei europeia. O facto de uma empresa chinesa deter 25% da nossa rede elétrica nacional não significa que a nossa rede elétrica nacional não tenha de cumprir todas as missões do incumbente. E até agora tem cumprido e não há nenhuma razão para esperar que não cumpra. Enquanto a empresa cumprir as suas obrigações de serviço público, não vejo porque é que o Estado se deva preocupar. Agora, a vida não é só economia. O Ministro dos Negócios Estrangeiros, para além das questões económicas, tem de considerar as questões de segurança, as questões institucionais, diplomáticas, culturais, etc. Ora não há pessoa mais clara em Portugal do que eu próprio sobre isto: a China é um parceiro económico de Portugal, e queremos até que seja mais, como os EUA são um parceiro económico e queremos até que seja mais. Mas a China e Portugal não são aliados. Portugal e os EUA são aliados e aliados muito próximos. O nosso sistema de alianças, em sentido próprio, é o sistema europeu e norte atlântico. Toda a gente percebe isto e, por isso, aliás, é que toda a gente respeita a posição portuguesa.

Em relação à política interna, tivemos agora uma aprovação do Orçamento mais difícil do que as anteriores, por um lado. Por outro lado, temos um ano com dois atos eleitorais. Preocupa-o um crescendo de instabilidade política? Olha para os próximos tempos como contendo esse risco?

Não. Em primeiro lugar porque na minha perceção este não foi o orçamento mais difícil. O orçamento mais difícil foi o primeiro. E em segundo lugar, nenhum dos atos eleitorais em 2021 é para eleger o Parlamento e para definir a composição do Governo. O Parlamento em condições normais irá a votos em 2023. Portanto vamos cada um fazer o nosso trabalho. Porque se estamos sempre a pensar, não na geração seguinte, mas na semana seguinte ou na eleição seguinte, não somos estadistas. E a hora precisa de estadistas.

Ver revista nº 126 na íntegra.