por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 30.03.2024
Dias agitados no Parlamento, golpes de teatro, espanto, combate político-partidário e alguma natural indignação popular. Como é possível isto acontecer? – dizem os observadores mais incautos, referindo-se às dificuldades na eleição da mesa da Assembleia da República, como se as rodas e as roldanas da democracia deslizassem sempre por estradas de veludo decoradas por belas e perfumadas azáleas. Não é assim a vida real, nem na política nem tantas vezes no mundo profissional. Onde há poder, há disputa, embora no exemplo parlamentar esta luta seja mais direta e ganhe outra dimensão, uma dimensão, digamos, superlativa – tudo, ou quase tudo, ou pelo menos muito, é coreografia, é gesto dramático e é palco.
Daí nasce a tentação de os observadores darem notas artísticas aos diferentes desempenhos dos deputados e líderes. Este esteve bem, aquele mal, aquele andou perdido, aquele destacou-se. Tudo parece contar, até os decibéis dos aplausos e o número de braços exultantes que se agitam freneticamente como se estivéssemos num jogo de futebol.
O que penso eu disto? Não penso grande coisa, olho e passo em frente à procura do que é substancial e pode realmente mudar as nossas vidas. É a diferença entre o ruído e o sinal. O ruído é o imediato, o já, o agora, os apupos e os aplausos e as câmaras de eco que resultam da comunicação profissional. O sinal é o que sobra, é a mensagem que passa e que abre caminho à ação e ao concreto, isto é, à governação de que tanto o nosso país necessita.
No momento em que escrevo já se conhecem os objetivos gerais e algumas medidas que constam do programa eleitoral. Também ganhou corpo a formação da equipa governativa, os ministros, embora falte ainda saber quem serão os secretários de Estado, peças muito importantes na dinâmica executiva. E acima de tudo falta também conhecer a orgânica do governo. Por exemplo, a Secretaria de Estado da internacionalização e a AICEP estarão na Economia ou nos Negócios Estrangeiros? E a área do emprego continuará numa lógica assistencialista e, por isso, ancorada ao trabalho e à Segurança Social ou passará a haver a necessária correlação com a Economia?
Deixo para o início da semana uma análise mais formal e detalhada, mas faço notar que a política-partidária constrói-se a partir do concreto. E este concreto mostra-nos uma preocupação relevante com as finanças públicas, a economia e com a aplicação dos fundos europeus, ligando-os à fundamental coesão territorial. Sobressai também um especial cuidado com o ministério que gere a escola e o ensino superior – será que é desta que este ministério deixa de ser quase exclusivamente uma espécie de departamento de Recursos Humanos que gere a carreira dos professores e passa finalmente a dar peso real à educação? As empresas e a economia anseiam por este passo em frente, os últimos indicadores internacionais (PISA e etc.) exigem medidas urgentes e bem calibradas. Este é um défice político que tem de ser preenchido e corrigido desde já.
O Parlamento vai naturalmente estar no centro das atenções mediáticas, por isso, conto que a maior parte dos deputados consiga medir bem as suas responsabilidades e o seu compromisso com o país, resistindo à encenação e ao ganho meramente taticista para efeitos mediáticos. Sublinho também que, apesar do maior protagonismo parlamentar – as negociações serão diárias e exigentes -, o centro da ação tem de continuar a ser o Governo e o seu programa. Apenas assim será possível abrirmos um novo capítulo para Portugal. Um capítulo com mais rendimentos, mais crescimento, menos desigualdade e mais competitividade.