por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 17.06.2023

Há quem o tenha escrito e reescrito ao longo dos últimos anos e eu nem sempre dei a atenção devida. Pensei que exageravam, pensei que queriam apenas travar o vento com as mãos e que isso seria não apenas inútil mas desnecessário. As coisas, na verdade, não me pareciam tão ruins como eram descritas. Infelizmente, o monumental impacto das redes sociais no nosso modo de vida e, em especial, no funcionamento das democracias ocidentais está à vista de todos e contaminou tudo através deste ruído permanente que nos acompanha e nos condiciona tão negativamente.

Pelo que tenho visto nos últimos meses, a vida política é seguramente uma das grandes vítimas deste permanente estado de crise e de polémica em que nos encontramos afogados nos dias que correm. Bem sei, compete aos políticos resistir ao canto da sereia do imediato. Compete-lhes ter a necessária estrutura intelectual, profissional e ética para conseguir opor-se – com mais êxitos do que fracassos – à tentativa de o agora e o já sequestrarem toda e qualquer ameaça de reflexão e ação construtiva que possa realmente ajudar o país a avançar e os portugueses a terem uma vida melhor.

Fazer política, prestar serviço público ou cívico são atividades que me merecem o máximo respeito e, por vezes, até a justíssima admiração. Seja no Parlamento ou no governo, mas também em diversos órgãos do Estado, estas pessoas, pelo menos parte delas, quando aceitam desempenhar funções públicas sabem que entram num túnel de exposição mediática extrema e têm a noção de que esse é o lamentável preço a pagar. A fatura. O Presidente da República já falou – e bem – sobre este fenómeno em diversas ocasiões, sabendo todos nós como este circo afasta os melhores a desempenhar funções deste calibre.

O que talvez falte dizer é que observo com cada vez mais desconforto este novo desporto nacional que tem como objetivo remoer e ruminar e regurgitar todos os temas, todas as ações e todos comportamentos até ao mais ínfimo, inacreditável e alucinado pormenor. Não me entendam mal: julgo fundamental a responsabilização pelos atos que praticamos ou deveríamos ter praticado. Penso, no entanto, que a nobre discussão política descambou para a permanente luta partidária sem quartel. Quase não se discute ideias na Assembleia da República. Não se avalia projetos capazes de transformar a nossa frágil economia e, quem sabe, puxar para cima a vida de todos os portugueses.

Não. O que vemos é o Parlamento transformado numa espécie de sala de tribunal – que não é -, cujos veredictos são disparados a todo o instante nas redes sociais. O processo de escrutínio é um dos deveres mais importantes de quem nos representa politicamente. É esse também o papel das oposições. Dito isto, penso que governo e oposições embarcaram numa longa dança fatal que os ocupa quase todas as horas do dia, que lhes parece trazer benefícios – porque acertam, porque se vitimizam, porque exibem músculo oratório e até preparação técnica – mas que, na verdade, se resume pela sua duração e repetição (dias e dias, mês após mês) a um fogo fátuo que não nos aproxima da verdade nem nos torna um país mais forte.

É um processo que gera e alimenta a polémica, que enriquece as redes socais, que nos faz ilusoriamente intervenientes – vemos tudo em direto, parece que estamos lá -, mas na realidade é um nó cego que corre o risco de amarrar ainda mais a desconfiança dos eleitores na nossa jovem democracia.

Tudo isto poderia acontecer sem que ganhasse a preponderância esmagadora que está a ganhar. Todos queremos que haja fiscalização, que haja respeito pelos compromissos assumidos, que haja responsabilidades assumidas quando as decisões são erradas ou correm mal. O dinheiro dos contribuintes – como dizia a antiga primeira-ministra britânica, não há dinheiro do Estado – tem der ser bem aplicado e devidamente controlado. Mas isto tem de acontecer sem queimar a casa e tudo à volta. Tem de ser feito com lisura e tem de se tirar consequências. Mas o processo não pode arrastar-se indefinidamente, como uma telenovela.