por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 04.09.2021

“Estamos a afundar-nos em termos de crescimento económico e a orquestra continua a tocar”. Foi esta a forma, caricatural, que utilizei para criticar o enviesamento que, no meu entender, marcou as palavras do secretário-geral do PS no encerramento do Congresso do partido.

Volto a este tema depois de ter sido titulado, na imprensa, que o crescimento da economia no segundo trimestre atingiu “um valor recorde do Portugal democrático”.

Como se justificam, então, os meus comentários?

Como é bom de ver, os 15,5% de crescimento homólogo do PIB – o tal valor recorde – explicam-se pelo facto de, exatamente há um ano, termos registado uma contração sem precedente da atividade económica (aquilo que, em estatística, se designa por “efeito de base”).

Olhando para os países europeus que sofreram, em 2020, um impacto da crise da mesma ordem ou mais profundo que o nosso país, verificamos que todos registam, agora, taxas de crescimento superiores ao valor de Portugal (é o caso de Espanha, França e Itália).

Acresce que a recuperação no segundo trimestre, após o retrocesso observado no início do ano, ficou a dever-se exclusivamente ao relançamento do consumo privado. Tanto o investimento como as exportações caíram (respetivamente 3,2% e 2%) face aos valores do primeiro trimestre.

É de notar, ainda, que, apesar desta recuperação, estamos ainda significativamente aquém do nível de atividade pré-crise: o PIB ficou 3,4% abaixo do valor de há dois anos. A indústria quase alcançou esse nível (ficou 1,5% abaixo) mas os setores do comércio, alojamento e restauração estão ainda, no seu conjunto, 9,3% aquém dos valores anteriores à pandemia.

Em suma, numa visão de curto prazo, podemos dizer que já não estamos a afundar mais, como foi o caso do primeiro trimestre, mas ainda não reemergimos acima da linha de água.

Se a situação presente ainda é sombria e o futuro próximo está longe de ser risonho, olhando para um horizonte mais distante, verificamos que as atuais projeções apontam para que, após a recuperação da atual crise, o crescimento económico afunde (é esta a palavra certa) para valores inferiores a 2%.

E é aqui que reside a minha principal preocupação: que não consigamos fazer desta crise a oportunidade para transformar a economia e descolar do crescimento anémico entremeado por recessões que temos vivido nas últimas duas décadas. Esta geração e as que se seguirão aspiram, legitimamente, a mais do que isso. Não as podemos defraudar.

Por isso, reagi – e reajo – energicamente a discursos onde encontro tática política a mais e estratégia económica a menos; promessas de medidas meramente redistributivas, sem consciência de que não podemos distribuir a riqueza que não produzimos.

Reajo, ainda, com igual energia, quando ouço recriminações às empresas, numa perspetiva distorcida, sem qualquer reconhecimento da resistência de que estão a dar provas ou qualquer estímulo ao seu potencial para fazerem de Portugal um país mais próspero.

Alimentar uma visão retrógrada das empresas, como se, em vez de criadoras de riqueza fossem apenas exploradoras de mão-de-obra, é comprometer o futuro.