por Rafael Alves Rocha, Diretor Geral da CIP
Publicado no Jornal Expresso a 25.08.2023

Hoje existe um modo de pensar generalizado, de certa forma até consensual, que junta políticos, gestores públicos e todos aqueles com funções de administração da “coisa coletiva” no mesmo grupo, sem qualquer distinção: são “eles”. “Eles” fazem, “eles” podem, “eles” querem, “eles” decidem, “eles” ganham. “Eles” são os irresponsáveis, os negligentes, os irracionais. Pior: “eles” são os culpados de tudo o que de mau aconteceu, acontece e acontecerá em Portugal. Do suposto outro lado da barricada estamos “nós”, os cidadãos, os inocentes, os sacrificados. As vítimas dos desmandos alheios que pagam sempre as consequências provocadas pelas ações ou omissões deles.

Aquilo que começou como um muro discursivo construído nas conversas de café, e agora granjeia um inexorável lastro nas redes sociais, saltou para os órgãos de comunicação social, definindo uma certa perspetiva jornalística. Este ponto de vista por sua vez influenciou um certo modo demagógico de olhar para os problemas do País. Hoje, esta generalização conquistou tantos adeptos que varre o espectro político.

Confesso que nunca adotei esta separação entre “nós e eles”. Afinal, os tais políticos, os gestores públicos e todos aqueles com funções de administração da “coisa coletiva” tantas vezes tiveram a mesma infância, sonharam os mesmos sonhos, andaram nas mesmas escolas, frequentaram as mesmas universidades, carregaram as mesmas aspirações, vieram da mesma sociedade civil, enfrentaram os mesmos dilemas, problemas e dificuldades. Trata-se, em suma, de um juízo errado e enviesado, não raras vezes destrutivo, que temos de rejeitar com determinação.

A pergunta é: como fazê-lo sem quaisquer tibiezas? Longe de eleger-se como um manifesto panegírico da nossa classe política, até porque «eles» têm ao longo dos anos desbaratado todo o capital de confiança, a resposta encontra-se na sociedade civil que tem de exigir, intervir e participar mais. Tem de exercer a sua responsabilidade social. Tem de assumir os seus direitos e deveres de cidadania. Tem de combater a pobreza, a exclusão, a injustiça, a desigualdade e a discriminação. Tem de contribuir para a construção de um País onde imperam a meritocracia, a cultura de exigência e a capacidade de concretização.

É deste impulso que surge o Pacto Social proposto pela CIP – Confederação Empresarial de Portugal a apresentar em setembro. Um verdadeiro projeto transformador da sociedade portuguesa. Desejamos que o “nós” e “eles” seja transposto, desejamos que a divisão empresários/trabalhadores seja ultrapassada, desejamos que, em trabalho conjunto, possamos oferecer uma visível melhoria de vida para todos os portugueses. O momento que vivemos exige-nos esta determinação para alcançarmos este compromisso coletivo.

O debate político deverá recentrar-se na procura consistente de soluções para os inúmeros desafios colocados ao País, fazendo-o de forma rigorosa, sistemática e determinada, com base em dados, com base na definição inequívoca de objetivos e na avaliação minuciosa quer dos efeitos previsíveis, quer dos resultados alcançados. O Pacto Social que propomos pode – e deve – constituir-se como o ponto de partida deste caminho de sentido único. Temos a “obrigação moral de ser inteligentes”.


* O título e a frase final são retirados de um dos ensaios do livro “The Moral Obligation to Be Intelligent, and Other Essays”