por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 06.01.2024

A pandemia de covid-19 teve efeitos destrutivos na vida de milhões de pessoas pelo mundo fora. Foi um golpe profundo. Em matéria de dependência económica, verificou-se um doloroso despertar: os governos europeus compreenderam que a deslocalização de partes significativas da economia europeia para a Ásia se traduziu numa dependência tão extrema desses mercados que vários produtos não podiam ser feitos aqui se esses fornecedores falhassem. Das simples máscaras de proteção, às máquinas de oxigénio hospitalar, passando por vários componentes eletrónicos para a indústria automóvel, sem esquecer a produção de medicamentos, subitamente a Europa encontrou-se durante os anos covid num beco sem saída: não tinha produtos e não tinha como começar a fazê-los, já que parte significativa das infraestruturas tinha sido desmantelada na corrida para o Oriente.

Portugal foi dos países que depressa manifestaram vontade em reconstruir parte da sua – historicamente débil – capacidade industrial perdida há muito. Até se falou em produzir no nosso país as tão necessárias vacinas para a covid-19. Pois é: falou-se, ouviram-se declarações políticas empolgadas, mas chegados aqui nada, nem vacinas nem reindustrialização lusitana. E como foi nos outros países? O poder político francês, por exemplo, anunciou planos para trazer de volta a casa a produção de 50 medicamentos, entre eles vários antibióticos e paracetamol – há uma lista de 450 moléculas consideradas essenciais para a segurança do país. Além deste grande projeto nacional na área da saúde, Macron anunciou também investimentos no setor automóvel (baterias) procurando construir uma cadeia de abastecimento capaz de garantir aquilo que alguns chamam de “autonomia estratégica”.

Na verdade, essa autonomia mata dois coelhos com uma cajadada. Não só impede a dependência externa, como fortalece a economia francesa. Cria emprego, cria riqueza, cria um espaço económico interdependente – as tais cadeias de abastecimento – que oferecem uma inegável centralidade a França. Não se trata apenas de trazer um laboratório ou uma fábrica deslaçadas do resto, a ideia é muito mais poderosa: tal como acontece com a Airbus, o objetivo passa por criar grandes centros de saber e produção que podem conseguir uma vantagem competitiva no mercado global. Assim, em vez de importar, França passa a ter mais músculo industrial, dinamizando fortemente as suas empresas.

O exemplo da Airbus é elucidativo: são milhares os fornecedores deste gigante europeu que quebrou a histórica dependência europeia da Boeing. Portugal tem cerca de dez grandes empresas envolvidas nesta rede de fornecimento de material aeroespacial, o que já não é mau, mas se olharmos para as centenas de empresas francesas e alemãs que estão na lista de fornecedores da Airbus o nosso êxito empalidece. A questão salta, portanto, à vista: Portugal tem de desenvolver áreas de afirmação industrial. Há quanto tempo ouvimos falar do lítio? Queremos ter uma verdadeira cadeia de produção de A a Z na área das baterias? Queremos investir na área da saúde – de alto valor acrescentado – e assim proteger a nossa independência nacional, mas também estimular a nossa afirmação económica?

Estamos à espera de quê, senhores políticos, para criar em Portugal um contexto competitivo – fiscal, regulamentar, legal…- que permita aos empresários fazer a reindustrialização de Portugal?