por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 03.04.2021
Conhecido o apuramento da execução orçamental em 2020, é já possível tecer algumas considerações mais fundamentadas sobre a resposta dada pela política orçamental ao impacto económico da pandemia.
Comparemos, em primeiro lugar, a execução com o que foi orçamentado: concluímos que a receita ficou praticamente no valor previsto pelo Orçamento Suplementar, enquanto a despesa ficou cerca de mil milhões de euros aquém do orçamentado. Daqui resultou um desvio do défice sensivelmente no mesmo montante de um pouco mais de mil milhões de euros. Em percentagem do PIB, o défice foi de 5,7% contra os 6,3% projetados pelo Orçamento Suplementar.
Independentemente de escrutinarmos quais as rubricas que explicam este desvio na despesa, podemos concluir que temos margem de manobra para reforçar os apoios à economia. Já o afirmei neste mesmo espaço, confirmo-o agora, com base em dados mais precisos.
É legítimo, pois, pedir mais ambição, para que mais empresas possam resistir, para que mais empregos possam ser salvos, para que, na corrida da recuperação, não arranquemos tão atrás na grelha de partida.
Mas há mais conclusões a retirar que, diria, dão que pensar.
Naturalmente, as receitas fiscais e contributivas reduziram-se substancialmente sob o impacto da crise nas respetivas bases de tributação. No entanto, a redução que estas receitas sofreram foi menos intensa que a redução da atividade económica, medida pelo PIB. Logo, assistimos, ao resultado de, no decurso da crise económica mais profunda de que temos memória, termos – de novo – um aumento da carga fiscal sobre a economia (de 34,5% do PIB, em 2019, para 34,8%, em 2020 – o valor mais elevado de sempre).
Este resultado vem dar mais força às críticas que formulei a propósito da estratégia adotada no Orçamento para 2021: a grande resistência em acionar a política fiscal no estímulo à economia.
Dizia um membro do Governo, há alguns anos, que “a economia está a funcionar”, dispensando assim “novidades” a nível fiscal para as empresas. Nos últimos meses, em que a economia não está a funcionar, as “novidades” a nível fiscal têm-se limitado a prorrogações que adiam pagamentos, mas não aliviam a carga fiscal sobre a economia. Assim, o Estado continuará a absorver uma parcela cada vez maior daquilo que a economia produz.
Quanto aos apoios concedidos às empresas ao longo de 2020, o INE refere que, “entre os encargos públicos com a pandemia, destacam-se a despesa em subsídios às empresas”, no montante de 2,2% da despesa total em 2020. Fazendo o cálculo chegamos, então, a um valor de 2158 milhões de euros destinados às empresas.
Não sou insensível ao esforço orçamental que este montante representa. Reconheço que estes apoios contribuíram para que as empresas fossem capazes de preservar empregos, permitindo assim que, como o Governo afirma, o comportamento do mercado de trabalho tenha mostrado mais resiliência do que seria de esperar. No entanto, não resisto a comparar estes 2158 milhões de euros, dirigidos à totalidade das empresas portuguesas, com os 1200 milhões de euros do empréstimo da Direção Geral do Tesouro e Finanças a uma única empresa, de que o Estado é acionista. De facto, dá que pensar!