por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 11.06.2022
O Primeiro-Ministro lançou um repto às empresas: aumentar os salários em 20% nos próximos quatro anos.
Como já tive oportunidade de afirmar, faltou o “manual de instruções” para percebermos como será possível atingir esta meta. Num momento em que as empresas veem aumentar de forma brutal os seus custos energéticos e de matérias-primas, como aumentar os salários acima dos aumentos de produtividade sem repercutir esses aumentos nos preços, contribuindo para uma escalada da inflação mais estrutural, mais duradoura, menos controlável? E, fazendo-o, como evitar a perda de clientes e de mercados? Como evitar a perda de competitividade daí decorrente, com o consequente encerramento de empresas e perda de postos de trabalho?
Porquê esta meta de 20%? Porque não 10%, 40% ou qualquer outro valor? De acordo com o Primeiro-Ministro, este seria o esforço necessário para que o peso dos salários no Produto Interno Bruto fosse, pelo menos, idêntico ao da média europeia, ou seja, “subir dos 45% para os 48%”.
Decerto, o Governo terá acesso a projeções fidedignas para chegar a esta conclusão, nomeadamente no que respeita ao crescimento do PIB, à inflação e ao emprego, em Portugal e na União Europeia, bem como aos aumentos salariais na União Europeia.
Mas vejamos o ponto de partida: esse, sim, é conhecido, factual. Ora, de acordo com os dados do Eurostat, em 2021, o peso das remunerações no PIB foi de 47,8% na União Europeia e de 48,8% (não de 45%) em Portugal. Afinal, a meta fixada para 2026 foi já atingida em 2020 e ultrapassada em 2021!
Tal facto deveu-se à evolução da massa salarial do setor privado, que aumentou 40%, em termos nominais, desde 2015, enquanto a massa salarial do setor público aumentou 22,7%, também em termos nominais, no mesmo período.
Acrescente-se que, em 2021, o peso do excedente bruto de exploração das empresas no PIB, em Portugal, ficou 2,7 pontos percentuais aquém da média europeia. Em contrapartida, o peso dos impostos indiretos (menos subsídios) foi superior em Portugal: mais 1,7 pontos percentuais do que na média europeia.
Afinal, onde estão as diferenças relativamente à média europeia? afinal, onde está a margem de manobra para aumentar o poder de compra das famílias?
Deixo ao leitor as conclusões e, ao Governo, o pedido para ajustar os argumentos à realidade.
Não quero, com tudo isto, defender que os salários dos portugueses não devem aumentar. Quero apenas dizer que não aumentam “por varinha mágica”, como, aliás, não há muito tempo, o Primeiro-Ministro afirmou.
Só colmatando a grande divergência que nos separa da média europeia – a da produtividade – é que salários poderão aumentar de forma sustentável, sem pôr em causa a competitividade das empresas e o seu futuro.
Para isso, mais do que reptos, precisamos de políticas públicas consequentes, que promovam condições para que as empresas aumentem a produtividade.