por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 05.03.2022
Desde a sua origem, a construção do projeto europeu teve como fundamento a ideia de que a interdependência económica constitui a melhor garantia para a paz e para o desenvolvimento.
A queda da União Soviética e o avanço da globalização deram mais força à convicção de que, também à escala mundial, a interdependência seria o melhor caminho para assegurar a paz: atacar ou destruir um dos principais fornecedores ou clientes afundaria inevitavelmente qualquer nação.
Talvez por isso a Europa tenha descurado a emergência de dependências excessivas face a determinados mercados. Foi, assim subestimada, ingenuamente, a importância da partilha de valores e objetivos comuns e de modelos de governação adequados para sustentar esse ideal de uma ordem mundial baseada em dependências mútuas.
As próprias estratégias empresariais também subestimaram as vulnerabilidades face a eventuais dificuldades de fornecimento: as cadeias de valor tornaram-se simultaneamente muito longas, muito complexas e muito rígidas e foi-se longe demais na redução ao mínimo de stocks, em sistemas de produção just in time.
A pandemia gerou um importante alerta para estas dependências e vulnerabilidades, fazendo surgir o objetivo da autonomia estratégica aberta, a par da necessidade de inverter o declínio industrial na Europa. Mais recentemente, os estrangulamentos na oferta de matérias-primas, energéticas e não energéticas, tornaram ainda mais premente este alerta. A guerra na Ucrânia deu-lhe agora contornos verdadeiramente dramáticos.
Como reconheceu recentemente Mario Draghi, os acontecimentos destes dias mostram quão imprudente foi não termos diversificado mais as nossas fontes de energia e os nossos fornecedores, nas últimas décadas.
Não será difícil, agora, enunciar o caminho a seguir:
Em primeiro lugar, diversificar as fontes de abastecimento de energia e matérias-primas, com pouca exposição a parceiros imprevisíveis, e investir na produção de alternativas economicamente sustentáveis na Europa. As conclusões da segunda edição da análise das dependências estratégicas, recentemente publicada pela Comissão Europeia, apontam precisamente nesse sentido. É referida, por exemplo, a importância de “parcerias internacionais diversificadas”, de “alianças industriais” para acelerar atividades que de outro modo não se desenvolveriam, bem como do financiamento europeu para apoiar investimentos e promover a inovação.
Em segundo lugar, é preciso reforçar o potencial do mercado único e, muito em particular, construir um verdadeiro mercado único da energia. Como já aqui referi, uma adequada capacidade de interligação entre as redes europeias de eletricidade e de gás natural (em especial entre a Península Ibérica e França) seria peça fundamental para a segurança energética da Europa.
Lamentavelmente, este caminho leva tempo a produzir resultados. Isso deixa-nos agora vulneráveis face à possibilidade de a Rússia usar a energia como arma geopolítica e perante a necessidade de recorrer a paliativos para mitigar o impacto da subida de preços, energéticos e não só, nas economias europeias. Resta-nos esperar que as dependências russas face ao Ocidente e o isolamento de que está a ser alvo se façam sentir e sejam capazes de travar o ímpeto belicista dos seus dirigentes.