por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 28.01.2023
No final do ano, o primeiro-ministro antecipou que o défice orçamental de 2022 iria ser de 1,4% ou 1,5% do PIB, abaixo dos 1,9% previstos no Orçamento do Estado. A este propósito, considerou que tal resultado seria bom, por dar margem ao governo para responder, se necessário, ao grau de incerteza que se iria viver em 2023.
Mais recentemente, o coordenador da UTAO afirmou que o défice será, seguramente, inferior a 1% do PIB, podendo mesmo ficar próximo de zero. Isto, tendo já em conta o apoio extraordinário de 240 euros para mais de um milhão de famílias, decidido em meados de dezembro, com um custo estimado em 249 milhões de euros (0,1% do PIB).
Será interessante analisar os fatores que explicam esta aceleração do ritmo de redução do défice face ao objetivo anunciado em abril e confirmado em setembro, precisamente quando a atividade económica está a travar.
Do lado das receitas, a inflação favoreceu, claramente, as contas públicas. Entre janeiro e novembro, o valor dos impostos arrecadados aumentou mais de 17% face ao mesmo período de 2021, muito acima da previsão orçamental de 6,5% para o cômputo do ano.
Do lado da despesa, as rubricas que, em novembro, se destacavam por uma execução muito abaixo do previsto eram as transferências de capital e o investimento. No total, de 11,1 mil milhões de euros orçamentados para o ano, estavam por executar 4,9 mil milhões.
Quanto às transferências de capital, em novembro, estava por executar metade dos 2 mil milhões orçamentados. O aumento previsto no Orçamento para 2022 era explicado pelo acréscimo dos apoios ao investimento do setor empresarial privado, nomeadamente no quadro do PRR. Já me referi, neste espaço, aos atrasos que se verificam neste âmbito.
Quanto ao investimento público, o valor inscrito no Orçamento representava um aumento de 43% face ao que foi gasto em 2021. De janeiro a novembro, esta rubrica teve um aumento de 4% face ao mesmo período de 2021. Estavam por executar 3,9 mil milhões dos 9,1 mil milhões previstos para 2022.
Ano após ano, ao apresentar a sua proposta de Orçamento do Estado, o governo acena com aumentos expressivos do investimento público. Ano após ano, o investimento público fica muito abaixo dos objetivos anunciados. 2022 não terá sido exceção. Para 2023, foi anunciado um aumento de 37%, veremos dentro de um ano qual a evolução efetivamente observada.
Provavelmente, quando estas linhas forem publicadas, já será conhecida a execução orçamental de dezembro. Decerto não será de molde a alterar estas conclusões. Quando voltarmos a ouvir falar na margem de manobra alcançada para responder à incerteza de 2023, saberemos como foi obtida: à custa dos desvios orçamentais positivos nos impostos e negativos no investimento público e no apoio ao investimento privado – precisamente o inverso do que teria sido necessário para enfrentar com mais segurança essa mesma incerteza.