por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 02.11.2024
Os últimos dados sobre o mercado de trabalho em Portugal causam natural apreensão, pois indicam que, até agosto, o número de despedimentos coletivos já ultrapassou o registado em todo o ano passado. De acordo com a Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho, 318 empresas avançaram com processos de despedimento coletivo nos primeiros oito meses de 2024, abrangendo 4190 trabalhadores, dos quais 3.29 foram efetivamente despedidos.
Obviamente que estes despedimentos são de lamentar. A perda do emprego é sempre um acontecimento traumático pelas implicações que tem não só nas expectativas profissionais e na capacidade de sustento do trabalhador, mas também na sua saúde física e mental, na sua autoestima e no seu relacionamento com os outros, designadamente com a família. Dito isto, é preciso analisar friamente as razões para os despedimentos e relevar as oportunidades que o mercado de trabalho apresenta hoje em Portugal.
Os despedimentos podem ter sido causados por fatores conjunturais, como o fim da atividade da empresa, como a necessidade de adaptação das empresas ao arrefecimento da economia europeia, ao agravamento dos preços ou à instabilidade geopolítica de alguns mercados, por exemplo. Ou podem ter sido causados por fatores estruturais, como a inadequação das competências dos trabalhadores à crescente intensidade tecnológica das empresas.
Tanto num caso como noutro, importa ressalvar que Portugal se encontra numa situação de quase pleno emprego e há um défice de trabalhadores transversal à generalidade dos setores económicos. Existem, pois, boas possibilidades dos trabalhadores agora despedidos serem absorvidos pela dinâmica do mercado de trabalho, encontrando nova ocupação profissional. Em 2023, a economia portuguesa criou cerca de 97 mil novos empregos.
Contudo, a criação de emprego tem sido suportada pelas profissões e setores menos qualificados. E isto acontece em resultado do atraso na modernização do perfil de especialização da nossa economia, onde continuam a predominar os setores de baixo valor acrescentado, que não requerem grandes qualificações. Mas a inevitável transição digital e verde vai obrigar a transformações profundas da estrutura produtiva do país, alterando, em simultâneo, as necessidades do mercado de trabalho.
Não só as profissões rotineiras, previsíveis e eminentemente físicas tendem a desaparecer como as próprias atividades criativas e de maior dimensão intelectual enfrentam grandes desafios face ao avassalador desenvolvimento tecnológico, designadamente no campo da Inteligência Artificial. Ora, esta previsível evolução do mercado de trabalho coloca questões sociais melindrosas. Entre outras coisas, pode significar a obsolescência de muitos trabalhadores sem competências digitais ou outras que sejam críticas para a nova economia.
Perante isto, há muito trabalho a fazer de upskilling (desenvolvimento de novas competências) e reskilling (reconversão profissional). Apesar dos avanços na qualificação, a verdade é que pouco mais de metade da população residente em Portugal (faixa 16-74 anos) possui competências digitais básicas (fonte: Índice de Digitalização da Economia e da Sociedade 2022). Isto significa que muitos trabalhadores correm o risco de ficar à margem da revolução digital em curso, o que seria penalizador para os próprios, para a coesão social do país e para o ritmo de transformação do perfil de especialização da nossa economia.