por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 23.12.2023

É manifesto que existe uma profunda crise de confiança na sociedade portuguesa. Esta nossa fragilidade é intrínseca e histórica. Ela provoca medos e frustrações. Reforça o medo sobre o futuro e induz mecanismos de defesa e recuo que comprometem a nossa realização pessoal e coletiva.

Esta atitude tem sido constante. Persistiu em contextos muito diferentes, incluindo a ditadura, a revolução e a democracia. É uma desconfiança “ex ante”: em vez de darmos o benefício da dúvida, deixamos infiltrar o vírus da desconfiança, independentemente de qualquer evidência que o justifique. Estou convencido de que precisamos de uma revolução assente na solidariedade e na preocupação com o coletivo para nos libertarmos desta limitação que nos paralisa.

Para gerar um sentimento coletivo forte, esta dinâmica tem de fortalecer os laços sociais. Tem de aproximar os cidadãos em vez de os isolar e individualizar. Construir este novo quadro de valores significa encorajar cada pessoa a reduzir os seus medos e a aumentar o nível de empenho e compromisso com o todo – com a comunidade. Trata-se de um processo de mudança que conduz a que sejam vencidas as resistências e seja libertada uma poderosa fonte de energia, vontade e empenho pessoais que também estimulam o envolvimento e a participação dos outros. A confiança é a âncora da reciprocidade.

Uma sociedade fundada na confiança não é uma sociedade ingénua. Esta ideia assenta no falso pressuposto de que, uma vez que confiamos, os mecanismos de controlo desaparecem. Não é de todo assim. A confiança anda sempre de mão dada com o sentido de exigência. Ela responsabiliza-nos mais, faz-nos pensar mais – implica mais determinação e mais vontade de conquista.

O nosso desafio como nação consiste em darmos um salto qualitativo no desempenho humano, económico e social. A confiança tem de corresponder a uma expectativa real que nos permita adotar abordagens com sentido de desígnio. A confiança gere-se e incentiva-se. Não pode ser decretada. Tem de ser construída. O Pacto Social proposto pela CIP é uma proposta de caminho que exige abertura e disponibilidade negocial para que, juntos, possamos chegar a compromissos sólidos que nos façam avançar.

Todos o sabemos: o ceticismo crónico envenena as relações e corrói as expectativas. Não é surpresa para ninguém que, na UE, Portugal apareça nos últimos lugares em termos de confiança. Os portugueses olham uns para os outros com suspeição. Desconfiamos das entidades públicas, mas também das privadas. Desconfiamos dos atores coletivos, mas também dos gestos individuais. Para os portugueses, o inferno são os outros.

Pagamos cara esta nossa atitude de descrença. Ela tem consequências tangíveis. Uma das funções principais da confiança é assegurar dispositivos de controlo de incerteza face à imprevisibilidade. Ora bem, numa altura em que a “permacrise” – a crise permanente – se agudiza, faz-nos muita falta este porto seguro para definirmos uma resposta mobilizadora. Estou convencido que se colocarmos a confiança no centro da compreensão das nossas dinâmicas sociais encontraremos a explicação para o nosso deslaçar progressivo – mas também descobriremos a inspiração decisiva para virar o ano e virar a página.