por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 21.10.2023

Nunca houve tantas pessoas empregadas em Portugal. Desde o fim da pandemia que a taxa de desemprego tem-se mantido próxima dos 6%. Este ano, a população empregada atingiu mesmo o seu máximo histórico, com quase cinco milhões de trabalhadores ocupados. São boas notícias, claro, porque é esta resistência do emprego ao arrefecimento da economia que está a permitir ao país manter-se ao largo de uma crise mais severa com consequências graves na coesão social. O Banco de Portugal já avisou, no entanto, que não é líquido que esta aparente robustez – Mário Centeno chama-lhe dique – prossiga a sua caminhada nos próximos tempos, já que a inflação e os juros altos podem a qualquer momento interromper esta fase que muitos economistas designam como sendo de pleno emprego.

Cinco milhões de pessoas a trabalhar é realmente um registo que merece destaque. No entanto, há um outro lado da questão que importa ser tida em conta e compreendida. Afinal, que tipo de emprego estamos a criar? Com mais um milhão de pessoas a produzir, o expectável seria que o nosso PIB refletisse este salto em frente. No entanto, não é o que está acontecer e a explicação parece-me evidente: uma fatia substancial destes novos empregos está ligada a setores de baixo valor acrescentado e sem grande especialização. São trabalhos que talvez respondam aos novos padrões de consumo dos portugueses e dos estrangeiros que agora vivem por cá – a comida entregue em casa, por exemplo -, mas quase não mudam uma vírgula à nossa capacidade competitiva e não acrescentam nada ao nosso perfil económico.

Alguns dirão que estou a ver o copo meio vazio – e é mesmo verdade. Sublinho, contudo, que eu não ousaria desprezar qualquer tipo de trabalho que contribua para a nossa vida em comunidade. No entanto, julgo que talvez pudéssemos ser um pouco mais exigentes. As enormes dificuldades que enfrentamos quando somos obrigados a competir internacionalmente encontram a sua principal explicação no perfil demasiado rudimentar de uma parte substancial da nossa economia. Falta-nos massa crítica nos setores de ponta, falta-nos dimensão em indústrias com elevado valor acrescentado, temos fraca presença global nas áreas que realmente produzem riqueza para o país e para as pessoas – e que mais facilmente resistem às travagens económicas. Em vez disso, temos muito emprego flutuante e vulnerável e até estamos a importar mão-de-obra não qualificada para esses lugares.

É em momentos como este que as políticas públicas deveriam entrar em jogo e usar todo o seu variado arsenal de instrumentos para incentivar mudanças substantivas e de longo alcance. Portugal não terá empresas com modelos de negócio mais sofisticados, com maior valor acrescentado – ou atrairá – indústria farmacêutica inovadora ou empresas de robótica ou de inteligência artificial, só para dar alguns exemplos mais evidentes, sem que o Estado crie o contexto adequado e favoreça o investimento nestas áreas. A mudança estrutural do nosso perfil económico não acontecerá por milagre – já o deveríamos ter percebido. Esta alteração fundamental exige ambição política na definição de prioridades; sem isso, não haverá investimento, não haverá aumento de produtividade e não haverá capacidade de as empresas oferecerem trabalho mais bem remunerado. E, ainda assim, continuará a haver quem não compreenda a razão por que Portugal não é um país de salários elevados.