A CIP – Confederação Empresarial de Portugal, em parceria com a APQuímica – Associação Portuguesa da Química, Petroquímica e Refinação, organizou na passada terça-feira mais um webinar inserido no ciclo de encontros empresariais dedicado à Economia Circular, com o apoio da EY-Parthenon.

O conceito que está na base da Economia Circular integra o ADN do setor. Como exemplo do caminho que tem vindo a ser percorrido, as empresas Eco-Oil, A4F / HyChem (ex. Solvay Portugal) e Dow Portugal apresentaram um conjunto de boas práticas de Economia Circular e Simbioses Industriais já em implementação ou em fase de projeto nas referidas empresas.

A Eco-Oil produz o EcoGreen Power, um combustível 100% reciclado, através da reciclagem de resíduos de hidrocarbonetos. O sucesso deste produto, que, além de apresentar menores emissões poluentes, se revelou ainda mais eficiente do ponto de vista dos consumos nos clientes, permitiu à empresa crescer a dois dígitos em 2020.

“Num ano tão difícil para as nossas vidas, num ano em que tivemos a pandemia, a Eco-oil acabou por crescer a dois dígitos, muito fruto do sucesso que o EcoGreen Power tem tido junto dos seus clientes”, que, em conjunto, evitaram a emissão de cerca de 3.600 toneladas de poluentes, revela Nuno Matos, Diretor-Geral da empresa.

O mesmo responsável adianta que: “Do ponto de vista da colocação no mercado, o EcoGreen Power não tem ainda incentivos de diferenciação positiva, nomeadamente de natureza fiscal ou de comparação das suas emissões face aos combustíveis fosseis tradicionais”.

Ainda no setor dos combustíveis, Nuno Coelho, Presidente do Conselho de Administração da HyChem, destaca o Projeto Mobilizador Move2lowC, financiado pelo PT2020, que junta 22 parceiros, compostos pela indústria nacional e por grandes utilizadores de combustíveis, entre os quais a TAP, assim como parceiros do sistema científico e tecnológico. Com este projeto, que representa um investimento total de 12 milhões de euros, a HyChem e os restantes parceiros do projeto pretendem encontrar soluções viáveis para a produção de biocombustíveis para a aviação, quer a partir de biomassa de microalgas autotróficas, quer por via da fermentação utilizando resíduos florestais. Já para a rodovia, a aposta está a ser feita na produção de hidrogénio renovável e na produção de gás natural renovável.

E é precisamente das sinergias possíveis entre aquilo que são resíduos / correntes residuais e matérias-primas de diferentes empresas que nasce o projeto de Purificação da Corrente de Brine (Salmoura), desenvolvido pela Dow Portugal.  A empresa está sedeada no Complexo Químico de Estarreja e produz um isocianato polimérico de base MDI, o PMDI, utilizado por diferentes indústrias, nomeadamente para a produção de espumas. Deste processo produtivo resulta uma corrente residual de brine (salmoura), atualmente sem qualquer valor comercial.

Também presente no mesmo Complexo está a Bondalti, que utiliza precisamente uma corrente de salmoura no seu processo produtivo de fabrico de cloro e soda cáustica. Nasce assim o projeto de purificação e reciclagem da corrente residual de brine (salmoura) produzida na Dow, através de soluções inovadoras que, além de poder vir permitir a redução da quantidade de efluente que hoje é enviado para tratamento, poderá dar origem a poupanças, por exemplo, de 1,6 milhões de euros/ano no consumo de água e sal, ou a uma redução de 26.000 toneladas de sal extraído da Natureza, anualmente. Trata-se assim de um projeto de elevado potencial que tem vindo progressivamente a procurar superar os desafios que têm surgido ao seu desenvolvimento, nomeadamente em termos de financiamento adequado com vista ao seu scale up e posterior industrialização.

Exemplos de projetos que enfrentam, não raras vezes, entraves regulatórios e processuais. Carla Pedro, Diretora-Geral da APQuímica, alerta precisamente para a existência destas barreiras: “Ainda existem alguns casos de legislação não totalmente clara em termos de circularidade e dos caminhos a seguir pelas empresas no âmbito dos projetos e iniciativas em curso, nomeadamente ao nível dos resíduos e das recirculações de águas residuais, por exemplo. Também dimensões associadas a morosidade e a uma elevada carga de reportes e necessidades de informação, que acabam por ter algum impacto dissuasor sobre a vontade e a iniciativa das empresas de avançarem com este tipo de projetos de Economia Circular em larga escala”, explica a responsável. São também por vezes relevantes barreiras de outra natureza, nomeadamente em termos de financiamento adequado.

Também João Pimentel, Diretor do IAPMEI, nota que: “Quando endereçamos desafios à indústria, como estamos a endereçar, entendemos que estes desafios têm de ser acompanhados por um maior voto de confiança. Temos de confiar nas empresas, temos de confiar nos industriais e, em nosso entendimento, aliviar mais os mecanismos de controlo a montante, com um enfoque maior na componente de inspeção”.

A estas barreiras, João Crespo, Professor da Universidade Nova de Lisboa (Faculdade de Ciências e Tecnologia) e Presidente do Conselho Indústria-Universidade da APQuímica soma as barreiras culturais inibidoras de uma maior colaboração entre empresas e entre a indústria e as universidades. “Parece-me que existiria uma enorme vantagem em nos ‘contaminarmos’ mais. Temos algum gosto [em Portugal] pela criação de compartimentos, estamos pouco habituados a trabalhar em conjunto e penso que isso vai ser absolutamente necessário”.

O novo Regime Geral de Gestão de Resíduos, que entrará em vigor no próximo dia 1 de julho, traz novidades no que toca à desclassificação de resíduos e sua classificação como subprodutos, com o objetivo de poderem ser mais facilmente reintegrados nos processos produtivos.

A excessiva burocracia e morosidade do processo de desclassificação de resíduos para subprodutos tem sido um dos principais entraves à Economia Circular continuamente referidos pelas empresas. O alerta tem sido dado por empresários e líderes associativos dos vários setores de atividade.

Uma barreira que o novo diploma legislativo pretende agora suavizar. Ana Cristina Carrola, vogal do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), explica que, “no novo Regime, a desclassificação dos resíduos e sua classificação como subprodutos passa a ser autodeclarativa, desde que as condições sejam validadas por Laboratórios Colaborativos reconhecidos pela FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) ou por Centros Tecnológicos que atuem no âmbito do processo produtivo da substância ou objeto em causa; portanto deixa de ser necessária a submissão de um processo à APA”. Ou seja, o processo é convertido em autodeclaração. Um incentivo, diz, para que mais empresas possam replicar procedimentos de Economia Circular.

Sendo uma melhoria introduzida no procedimento regulamentar, este novo mecanismo poderá vir ainda a carecer de ajustes considerando as especificidades de alguns setores, como o setor químico, onde o recurso aos Centros Tecnológicos ou aos Laboratórios Colaborativos para este fim poderá não permitir, desde logo, as respostas necessárias neste âmbito. Será um desafio certamente a ultrapassar com a devida colaboração entre os representantes do setor e as autoridades competentes.

O atual ciclo de webinars insere-se no projeto Economia + Circular, promovido pela CIP, o maior e mais completo estudo alguma vez feito em Portugal sobre o tema e cujo inquérito às empresas decorre em paralelo.