por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 14.09.2024
Quando se assinalam os 500 anos do nascimento de Luís de Camões, é interessante recordar que, no poema épico Os Lusíadas, o poeta celebra a nossa coragem, ousadia, ambição enquanto povo. Logo no canto I, encontramos estes inequívocos versos: “Por mares nunca de antes navegados,/ Passaram ainda além da Taprobana,/ Em perigos e guerras esforçados,/ Mais do que prometia a força humana.”
Quase cinco séculos decorridos, já não nos revemos na caracterização que Camões fez dos portugueses. A coragem anda arredia, a ousadia tem dias e a ambição ter-se-á esfumado nos confins da História. O país segue sem desígnio ou estratégia. Somos pródigos em estudos, relatórios e planos, mas depois vacilamos na hora de tomar decisões e empreender reformas. Falta-nos a tal coragem, ousadia, ambição que Camões poetizou.
Vem isto a propósito das reuniões de concertação social, que nos últimos anos passaram a ser praticamente monopolizadas pela questão do salário mínimo nacional. Não nego, obviamente, a importância da atualização do salário mínimo para o bem-estar de milhares de famílias e para a indispensável coesão social do país. Mas é redutor andarmos, como hamsters na roda, obsessivamente à volta desta questão. Infelizmente, a discussão sobre o valor do salário mínimo tornou-se burocrática e ritualista, parecendo servir mais para aliviar consciências do que para promover o desenvolvimento do país e melhorar a qualidade de vida dos portugueses.
A política de rendimentos é uma matéria da maior relevância para as nossas vidas e deve estar, naturalmente, no centro das reuniões de concertação social. Mas convém não olharmos só para a árvore, o salário mínimo, esquecendo a floresta, a economia nacional. Todos sabemos que sem aumentar a produtividade, a competitividade e a riqueza do país é inviável um crescimento sólido dos rendimentos dos portugueses. O Sr. Jacques de La Palice diria o mesmo, eu sei, mas há truísmos que custam a entrar na cabeça de algumas pessoas.
O diagnóstico do país está feito, os desafios são conhecidos e até as linhas de rumo foram há muito traçadas. Devemos agora ter ambição política, vontade reformista e visão estratégica para acelerar o crescimento económico e a convergência com a Europa. Ora, isto passa necessariamente por uma mudança profunda do perfil de especialização da nossa economia, que traga ganhos de produtividade e competitividade a partir da inovação, talento, criatividade e tecnologia.
Mutatis mutandis, é isto que diz o “relatório Draghi”, no qual se defende um modelo de desenvolvimento para a Europa centrado na produtividade e competitividade. Modelo, esse, que requer a mobilização de um investimento maciço em inovação, digitalização, reindustrialização e descarbonização. Mas, tal como em Portugal, para que esta estratégia seja implementada são precisos consensos. E lá como cá o que falta em pragmatismo e determinação sobra em conservadorismo, imobilismo e intransigência, muitas vezes por preconceitos ideológicos.
Tudo isto para dizer que, sem realismo e ambição, vamos continuar a ter em Portugal uma economia de mínimos. Ou, em elegia camoniana, uma “apagada e vil tristeza”.