por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 10.07.2021
Há não muito tempo, o Governador do Banco de Portugal veio a público defender que o mercado de trabalho deu uma resposta que demonstrou a adequabilidade da legislação atual. Eventuais alterações à lei laboral não beneficiariam a recuperação, devendo, pelo contrário, assegurar-se a necessária estabilidade e previsibilidade, colocando o foco na criação de emprego e na transição segura entre empregos.
Foram, no meu entender, declarações sensatas e oportunas. Nem todos as partilham.
São diversas as propostas de alteração da legislação laboral que deram entrada na Assembleia da República nos últimos meses, apresentadas por partidos que, obviamente, não se reveem nestas ideias, nomeadamente o PCP.
Uma destas propostas de alteração ao Código do Trabalho, incidindo sobre aspetos como a presunção de contrato de trabalho e prevendo, nomeadamente, a revogação do alargamento do período experimental, a eliminação do artigo respeitante aos contratos de muito curta duração e uma limitação radical do recurso a contratos a prazo.
Trata-se de uma proposta que condicionaria seriamente a atividade das empresas, gerando situações de grande incerteza e insegurança jurídicas e acentuando a rigidez nas relações laborais, elevando-a a um grau incompatível com a economia de mercado concorrencial em que nos inserimos.
Tanto ou mais grave é, também, o facto desta proposta constituir um frontal desrespeito aos consensos obtidos entre Parceiros Sociais e Governo em sede de Concertação Social.
Lembro, a este respeito, o Acordo de 2018, onde foi possível que, tendo partido de visões divergentes sobre a realidade do mercado do trabalho, as partes chegassem a um resultado de algum equilíbrio. Afirmei, a este propósito, que o final do atribulado processo de alteração da legislação laboral que refletiu este acordo, já em 2019, representou a vitória das instituições democráticas sobre a perversão de um dos pilares básicos do modelo social que adotámos: a concertação social.
Se o desrespeito pela Concertação Social, por parte do PCP, não surpreende, já o mesmo não seria de esperar do Partido Socialista, que suporta o Governo que é parte nos acordos sociais que esta proposta põe em causa. Aliás, o mesmo Governo que continua a afirmar que as matérias laborais e o Código do Trabalho têm histórica, formal, e institucionalmente uma sede muito própria na Concertação Social.
Não entendo, por isso, a razão pela qual o Partido Socialista aprovou, na generalidade, a proposta do PCP.
Esta decisão foi já veemente contestada pelo Conselho Nacional das Confederações Patronais e criticada pelo Presidente do Conselho Económico e Social.
Seja por motivos de tática política, por falta de articulação entre o Governo e o partido que o suporta ou por outra razão que não consigo vislumbrar, esta decisão do Partido Socialista vem abalar profundamente a confiança que ao longo de muitos anos tem sido construída em torno da Concertação Social. Uma decisão lamentável e incompreensível, quando a confiança é um valor essencial a preservar.