por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 28.10.2023

A Noruega tem um fundo soberano, uma espécie de mealheiro nacional, provavelmente o mais conhecido do mundo. É um gigante que vale 80% do PIB deste pequeno país de 5,4 milhões de habitantes. Representa 1240 mil milhões de euros, tanto como as dez maiores fortunas do mundo juntas. Foi criado para guardar uma parte das receitas que resultam da exploração de petróleo. A ideia é criar uma poupança para o dia em que os hidrocarbonetos secarem. A escolha faz todo o sentido: a Noruega tem uma dívida pública que não chega aos 40% do PIB, as reservas de petróleo aguentam-se, segundo as estimativas, mais 69 anos, logo antecipar o fim desta receita é uma boa política que todos os partidos noruegueses cumprem quando governam.

Outros países têm fundos soberanos por esta e por outra razão – a afirmação destes países nos mercados globais. São os casos da China, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Kuwait, Qatar, França e Rússia, entre outros. Nenhum destes países tem uma dívida pública que pese nas respetivas finanças públicas. Talvez umas das poucas exceções seja a França, que deve mais do que Portugal em percentagem do PIB e criou o seu fundo em 2013 com um objetivo concreto: estimular a economia.

O Governo de Portugal decidiu que também quer ter um instrumento destes. A justificação é parecida à francesa: o fundo servirá para estimular a economia nacional, embora no nosso caso quando o PRR acabar. Será uma boa ideia? Ora bem, atrás referi as baixas dívidas públicas dos países que têm fundos soberanos por um motivo concreto: quem tem uma dívida elevada deve, antes de mais, pagá-la o mais depressa possível para reduzir o encargo com os juros e também reduzir a sua exposição aos mercados internacionais. Quando a dívida é altíssima, como é o caso português, apesar da redução consistente dos últimos anos, esse pagamento é ainda mais urgente.

Esta é a primeira razão porque me parece que embora seja uma importante medida de prudência para o futuro, facilmente se transforma em extravagância tendo em conta as necessidades do presente. O retorno dos investimentos futuros terá de compensar os juros que pagamos no nosso serviço de dívida, o que não é uma certeza, já que investir implica algum grau de risco. A segunda razão é igualmente fácil de entender: além do tal custo financeiro, há um custo de oportunidade – quer dizer, o investimento público anda pelas ruas da amargura há anos, nunca são cumpridos os valores inscritos no orçamento do Estado. Não deveria ser esta a prioridade, mais ainda quando a nossa economia estagnou e só crescerá 1,5% em 2024? Pior: o Banco de Portugal diz que a economia deverá crescer a um ritmo inferior ao potencial. Resolver este bloqueio deveria ser prioritário.

Esta súbita preocupação com o fim do PRR parece-me ainda mais esdrúxula quando percebemos que a execução deste programa continua atrasada. Até agora, foram feitos pagamentos diretos/finais de 2786 milhões de euros, ou seja, 17% do total do PRR, antes da reprogramação, e 54% do total enviado pela Comissão Europeia. É pouco. A execução do PRR não deveria ser o objetivo central?

Um último argumento: este fundo soberano caiu das nuvens. Não foi discutido com ninguém. Se é um projeto de médio e longo prazo não deveria ter sido avaliado com todos os partidos e a sociedade civil, apresentado publicamente o seu perfil de negócio, a sua estrutura e as suas regras? Não deveria ter sido procurado um pacto capaz de juntar todas as forças e dinâmicas da nossa comunidade? Fazer um fundo soberano assim é condená-lo já ao fracasso. Não é política, é comunicação política.