por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 05.10.2024

A parábola bíblica da multiplicação dos pães e dos peixes parece inspirar muito boa gente no nosso país, em particular dirigentes políticos e sindicais. Em Portugal, está enraizado o pensamento mágico de que é possível redistribuir riqueza sem primeiro tratar de a criar.

É aquilo a que chamo “milagre económico português”: tributam-se sem piedade rendimentos e lucros, engorda-se a burocracia e o peso do Estado, degrada-se o ambiente de negócios, inibem-se os fatores de crescimento e, ainda assim, espera-se com absoluta naturalidade que as empresas consigam aumentar os salários e os rendimentos dos trabalhadores.

Vem isto a propósito do Acordo Tripartido de Valorização Salarial e Crescimento Económico, recentemente firmado por todos os parceiros sociais, à exceção da CGTP. Da parte da CIP, foi um “sim mas”. O acordo é ambicioso no objetivo de valorização salarial mas vago, escasso e timorato no objetivo de crescimento económico. Em boa medida, o documento faz profissão de fé no “milagre económico português”. Contudo, perante o risco de instabilidade política, quisemos fazer parte dos consensos e não das divisões.

Importa realçar o lado bom do acordo. As metas de valorização salarial vão além do que está definido no Programa de Governo e no acordo de rendimentos, tanto para o salário mínimo nacional como para os restantes salários. A CIP acompanha a ambição do Governo de dignificar o emprego, reter talento e promover a coesão social fazendo crescer os rendimentos.

Mas, é preciso, no mínimo, igual ambição e determinação para fazer crescer a Economia. Para fazer face à baixa produtividade nacional, ficou estabelecido, pela primeira vez, um objetivo concreto. Assumiu-se que Portugal deve, até 2028, atingir um valor não inferior a 75% da média europeia em termos da produtividade do trabalho. E, também pela primeira vez, foi manifestada a vontade de descer o IRC, embora sem quantificar valores.

Outro aspeto positivo do acordo, e inédito entre nós, é a isenção de contribuições e impostos para prémios de produtividade. Isto significa que o Estado não retém uma parte significativa de um rendimento que as empresas entregam, voluntariamente, aos seus trabalhadores.

O acordo é menos feliz no que toca a medidas que promovam o crescimento e, consequentemente, aumentem a capacidade do país para criar e redistribuir riqueza. Falta um programa para transformar o perfil de especialização da economia, por forma a que predominem os setores de elevado valor acrescentado e com intensidade de inovação e tecnologia.

Assim como falta um programa para reter e captar talento. Precisamos de pessoas com competências críticas para acelerar a transição digital, energética e climática, intensificar as atividades de I&D+i, desenvolver novos produtos, melhorar a gestão das empresas e implementar estratégias de internacionalização. Sem essa massa crítica, a nossa economia não ganha sofisticação e o país não converge com a Europa.

Por tudo isto, há que dar gás ao programa “Acelerar a Economia”, à luz das propostas para reforço da competitividade, produtividade e investimento vertidas nos relatórios Draghi e Letta. Caso contrário, a fé no “milagre económico português” não nos vai valer e a riqueza continuará insuficiente para redistribuir.