por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 25.11.2023

O Orçamento do Estado está a fazer o seu percurso sinuoso e entrará em ação a partir de 1 de janeiro. Enquanto tudo – na política – arde, uma frase roubada a um livro de Lobo Antunes, o longo documento que orientará as contas públicas no próximo ano acabou por sobreviver a uma vicissitude maior, a queda do próprio Governo que o propôs, traduzindo uma espécie de quase consenso político nacional: é melhor um orçamento aquém do necessário do que uma autorização para a realização de despesa sujeita ao regime de duodécimos.

A existência de um OE aprovado não é, no entanto, garantia suficiente de que o país não entra – se é que já não entrou – em paralisia total. Vai ser preciso fazer mais. A CIP tem refletido sobre o assunto e proporá uma carta-compromisso, a apresentar nos próximos dias, na qual pede que haja um acordo de regime transitório para evitar que o país e a sua administração pública entrem em estado vegetativo até à tomada de posse de um novo Executivo.

Não deixa, contudo, de ser extraordinário que tenhamos todos de defender a aplicação de um orçamento claramente insuficiente. Do ponto de vista das empresas, as contas são muito simples: apesar de o contexto económico ser muito desfavorável, apesar de podermos até já estar em recessão, o Governo encolheu os ombros e deixou tudo como está. Ou seja, neste OE2024, a mensagem às empresas é muito clara: desenvencilhem-se. Num momento em que seria absolutamente vital incentivar o investimento privado, até porque o investimento público tem o dom de transformar-se quase sempre em miragem à custa das habituais cativações. Não é de excluir também a possível falta de vontade da administração pública em concretizar os complexos procedimentos necessários às adjudicações inerentes aos investimentos. Seja como for, o Executivo ignorou a importância de dar este sinal concreto à economia. Aconteceu o mesmo aos estímulos à recapitalização das empresas – nada de nada. O que há neste orçamento são, como escreveu esta semana o jornalista Celso Filipe, apenas algumas migalhas.

É espantoso que o motor da economia, as empresas privadas, seja ignorado no principal documento económico do país. A excessiva estatização de Portugal explica uma parte do problema; a outra parte só se torna, digamos, compreensível se dermos como certo que o poder político optou mesmo por cruzar os braços perante a travagem em curso. O próprio Conselho de Finanças Públicas já o disse com todas as letras: este OE2024 é neutral. Dito de outra forma: não contém nada capaz de melhorar a economia do ponto de vista estrutural, abdica de reagir à crise e escolhe deixar as empresas na linha da frente de todos os problemas. Certo: desenvencilhem-se.

Talvez se as empresas votassem a história fosse diferente. Infelizmente, o que aconteceu ao IUC é paradigmático de um certo modo de fazer política. Fase um: soube-se que o imposto ia subir, surgiram muitas reclamações e o tema, embora lateral, passou a dominar o debate público nos media -, mas como havia uma maioria absoluta, nada aconteceu. Fase dois: afinal, a maioria absoluta vai dar lugar a eleições legislativas em 10 de março – o IUC foi posto rapidamente na gaveta com os votos a favor da maioria parlamentar.

As empresas, por mais centralidade económico-social que tenham, por mais emprego que criem e por mais impostos e contribuições sociais que paguem não valem votos em eleições. Na verdade, por vezes até são usadas ideologicamente para assustar alguns eleitores receosos de velhos e anacrónicos fantasmas. O paradoxo é evidente: embora a economia seja vista como determinante na definição de qualquer resultado eleitoral, a realidade é que, no nosso país, quase não faz parte da equação. Como se fosse possível haver economia sem empresas.

O problema é que se uma parte considerável dos eleitores continuar a acreditar que o crescimento nasce de geração espontânea e não através do esforço deles próprios e das empresas – sim, das empresas! – então este nosso empreendimento coletivo a que chamamos Portugal andará sempre de vicissitude em vicissitude, ao sabor dos irascíveis humores e fatores externos que, obviamente, não controlamos.