por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 20.07.2024

As notícias sobre a aprovação do PRR chegaram-nos com orquestra de violinos. Para levantar a economia europeia, atingida em cheio pela pandemia, a União Europeia aprovara um pacote histórico de apoios financeiros com poder de fogo suficiente para que fosse dado um decisivo passo em frente. Digitalização, sustentabilidade, modernização, as palavras mágicas estavam lá todas, ressoando na mente de cada europeu – e em particular de cada português -, como a derradeira oportunidade para, num só golpe de audácia, corrigir os nossos anacronismos sistémicos e, simultaneamente, posicionar o país na fronteira das novas economias. Estamos a apenas dois anos do fim do prazo para que este enorme pacote seja realmente materializado na economia e na vida das pessoas – e, então, onde estamos? Alguém nota os efeitos da famosa bazuca?

O ponto de situação – números até ao início deste mês – é relativamente sofrível, alguns dirão até que é mesmo trágico. Vejamos: pagamentos aos beneficiários diretos e finais de apenas 4,6 mil milhões – 21% da dotação total de 22,2 mil milhões de euros do programa total. Destes pagamentos, quanto dinheiro chegou real e efetivamente às empresas privadas? Apenas 1,4 mil milhões, isto é, 31% do total de pagamentos a beneficiários diretos e finais.
Deixo ao leitor o adjetivo mais capaz de classificar a eficácia pública na execução da mais impactante política pública europeia dos últimos anos. Os empresários não fazem política – um trabalho nobre e relevante -, mas sofrem na pele as consequências desta série de, digamos, infortúnios e inépcias administrativas a que o setor privado tem sido sujeito no PRR e não só.

Vale a pena lembrar que o montante aprovado para as empresas privadas foi de apenas 25% do total atribuído a todos os beneficiários, o que, como a CIP deixou claro desde a primeira hora, é um contrassenso em si mesmo, a não ser que a ideia fosse estatizar ainda mais a nossa economia, já de si excessivamente carregada pela intervenção do Estado. No papel, portanto, os planos já nos deixaram apreensivos, na prática deixam o setor privado muitíssimo preocupado com a incapacidade de gestão que foi revelada.

O governo mudou e está a tentar lidar com uma prateleira cheia de problemas. Por exemplo, excesso de burocracia e pedidos de informação, dificuldades na contratação de bolseiros e investigadores por parte das entidades não empresariais no sistema de Investigação e Inovação, deixando os concursos por vezes desertos. Subsistem até os velhos problemas com as plataformas – um assunto elementar – usadas pelas entidades beneficiárias, a que se juntou, até certa altura, uma espantosa alteração nos formulários – complicar parece ser uma força indomável em certos setores da administração pública.

Temos agora pela frente uma corrida de sprint que exigirá o melhor dos empresários, do governo e da administração pública. Terá de haver flexibilidade de parte a parte. Terá de haver esforço e disciplina e boa gestão dos recursos. O Estado já direcionou mal a bazuca, resta-nos confiar que os atuais líderes políticos façam tudo o que está ao seu alcance para que esta não seja mais uma oportunidade desperdiçada.