por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Público a 14.04.2025
No álbum de Asterix A Zaragata, Júlio César envia o intriguista Tullius Detritus para semear a discórdia, lançar o caos, criar o dissídio na pequena aldeia gaulesa que resiste aos romanos. E só a inteligência de Asterix e a sabedoria do druida Panoramix permitem restabelecer a harmonia entre os gauleses. Donald Trump faz-me lembrar o maquiavélico Tullius Detritus: sempre que fala, tweeta ou decreta põe em desordem o mundo. E fá-lo a um ritmo frenético, de tal forma que o que é verdade hoje pode não sê-lo amanhã.
Um exemplo disso é a pausa de 90 dias no “Dia da Libertação”, exceto para a China que ousou retaliar os EUA. Pelos vistos, tratava-se apenas de forçar à negociação os parceiros comerciais, nomeadamente a Europa. Tudo não passou da celebrada art of the deal de Trump. Mas o mal está feito: encontrar um bloco ou país que confie nos EUA é tão difícil como comprar chocolate do Dubai.
A confiança é a base das relações entre blocos e países. E, uma vez perdida, tarda em ser recuperada. Por isso, independentemente do que acontecer na disputa tarifária, o comércio global tão cedo não voltará a ser o que era dantes. E as consequências podem ser brutais no custo de bens e serviços, no funcionamento das cadeias de abastecimento, na estabilidade dos mercados financeiros e na segurança de investidores, empresas e consumidores. Tanto mais que Trump parece determinado em travar uma guerra comercial quixotesca com o maior produtor global de bens, a China.
Entretanto, o mundo avança a uma velocidade vertiginosa, desenhando uma nova realidade geopolítica para a qual Portugal já se está a preparar, ainda que o pudesse fazer melhor caso o Governo estivesse na plenitude das suas funções. Além de um governo capaz de aprovar medidas e apoios robustos que defendam as empresas da guerra comercial, precisamos de um governo capaz de definir políticas para captar o talento e as startups que a América de Trump está a hostilizar. De um governo capaz de ajudar o tecido empresarial a encontrar mercados e parceiros alternativos aos EUA. De um governo capaz de captar investimentos que a desglobalização e o nearshoring vão, provavelmente, fazer regressar à Europa.
O Reforçar, dotado de um valor total de dez mil milhões de euros, e há dias apresentado pelo executivo, é um programa exequível, de aplicação rápida e tem uma dimensão bastante forte. Destaco, sobretudo, o objetivo de reforçar o apoio às estratégias de diversificação de mercados. Também a abertura de linhas de crédito com garantia pública para empresas exportadoras. Tenho confiança de que estão criadas as condições para que chegue rapidamente às empresas, mediante um esforço acrescido dos organismos públicos que o irão materializar no terreno, nomeadamente o Banco Português de Fomento, a AICEP, o IAPMEI, o Compete e a Agência de Crédito à Exportação.
Todavia, e tendo em conta as limitações da margem de manobra de um Governo de gestão, arriscamo-nos a reagir sem a necessária amplitude à investida para impor uma ordem mundial protecionista e soberanista. Em linguagem futebolística, já vamos atrás do prejuízo e podemos não ser capazes de virar o resultado a nosso favor.
Continuamos a precisar de uma política económica mais favorável à competitividade das empresas, nas suas diferentes variáveis. Essa competitividade tem de basear-se no aumento do investimento, em aumentos da produtividade, no aumento do valor acrescentado da produção nacional, nomeadamente pela incorporação de mais inovação nos processos, nos serviços e nos produtos. Só assim poderemos acelerar a evolução da nossa economia, baseando-se mais no valor percebido pelo cliente e menos no preço. Só assim poderemos vencer a concorrência nos mercados globais.
Há muito quem considere as eleições antecipadas um mero percalço, sem grandes danos para o país. Defendem que a economia portuguesa é suficientemente robusta e autónoma para sair incólume da crise política. Está-se agora a ver que não é bem assim. Com este tropel de acontecimentos disruptivos, era fundamental termos um governo com capacidade efetiva para reagir à instabilidade e incerteza internacional. Mas o Executivo está demissionário e por isso limitado à gestão corrente.
Resta-nos esperar que das eleições saia uma solução governativa estável e que, no futuro Parlamento, os partidos revelem capacidade de entendimento e concertação para reagir aos acontecimentos internacionais. Da parte da Europa, a resposta ao desvario tarifário terá de ser muito inteligente e pragmática, sem cair na tentação da justiça salomónica: “olho por olho, dente por dente”.

