por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 29.06.2024

Esta semana ouvi um número que me espantou: 80% do dinheiro europeu enviado para ajudar a Ucrânia foi aplicado para produzir produtos e serviços na Turquia e nos Estados Unidos. Na verdade, como foi dito na conferência que a CIP e o idD organizaram esta semana sobre Defesa e Economia, já sabíamos que mais de três quartos das aquisições deste setor realizadas entre o início da invasão russa, em fevereiro de 2022, e junho de 2023, chegaram de fora da União Europeia. Naturalmente, os EUA estão na origem 63% dessas aquisições.

Como há muitos anos cantou Bob Dylan, os tempos estão a mudar. As crescentes tensões geopolíticas e a concorrência geoeconómica – em muitos casos expostas, provocadas ou empoladas pela pandemia, pela guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e pelo conflito no Médio Oriente – transformaram a ordem global. Esta mudança sísmica pôs em evidência os riscos que resultam da excessiva dependência europeia em relação a certas regiões do globo, além de ter deixado claro que temos de ser mais capazes de defender as nossas fronteiras e soberania.

Avanço apenas alguns exemplos desta nossa preocupante dependência externa: princípios ativos para medicamentos, máquinas para todo o género de setor de atividade, fertilizantes, chips… a lista de produtos com origem nos mercados asiáticos é realmente muito extensa e traduz a nossa desindustrialização. Na área militar, a dependência está em grande parte centrada no outro lado do Atlântico e, neste caso, além de desindustrialização expõe a nossa fragilidade militar.

É por esta razão que a aposta de Portugal na indústria da defesa não é sequer uma escolha, é uma oportunidade embrulhada numa obrigação nacional. Acresce que o setor da defesa gera valor e multiplica-o, como confirmam os muitos exemplos, tais como: internet, GPS, micro-ondas, supercola, comida enlatada, canetas de epinefrina, máquinas fotográficas digitais, jeeps, drones, visão noturna, realidade virtual – tudo inovações desenvolvidas pelos militares, feitas em colaboração com eles ou tornadas populares por este dinâmico setor.

Há, no entanto, duas questões que têm de ser respondidas pelos nossos decisores políticos. Como podemos transformar o dinheiro aplicado em defesa em investimento que contribua para a riqueza do país? E ainda: como integrar a nossa indústria nas cadeias de abastecimento internacionais?

Ora bem, a UE definiu como objetivo que cada Estado-membro compre 40% do seu equipamento em regime de colaboração e que metade dos contratos públicos nesta área seja para aquisição de produtos fabricados em solo europeu. Esta política, a que também podemos chamar de friendshoring, abre aqui um caminho que temos de saber explorar em Portugal.

Estou a pensar no desenvolvimento de software, na indústria metalúrgica, na aeronáutica, mas também noutras áreas que podem servir esta indústria. O setor farmacêutico, o design e produção de peças e componentes metalúrgicos e de cerâmica para a indústria automóvel; e ainda o têxtil, o calçado e o agroalimentar. Os empresários querem, a CIP apoia, o governo está a dar sinais promissores. Mas que fique claro que não somos beligerantes. Apenas acreditamos que a capacidade de dissuasão é fundamental.