por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 18.11.2023

O país anda devagar, demasiado devagar, mesmo quando existe estabilidade política. Quando a dúvida se instala, quando não há qualquer espécie de certeza sobre a próxima composição do quadro parlamentar e a força do governo que se segue, a situação torna-se ainda mais complexa. Se já estava tudo muito parado, mais parado está agora. As consequências são terríveis para a economia. Subitamente, podemos ter entrado numa travagem total.

Mas tem mesmo de ser assim? Vamos pôr de lado o resultado das próximas eleições. Logo veremos o que nos espera e qual o sentido de voto dos portugueses. Concentremo-nos neste longo período que vai até à entrada em funções do novo executivo. São muitos e muitos meses. O que pode um governo de gestão fazer durante este período? Visto de fora, a resposta que ouvimos vai quase sempre no mesmo sentido: nestas circunstâncias pode fazer muito pouco.

Eu penso exatamente o contrário, até porque a questão é mais política do que jurídica. Ainda que a lei distinga o período de gestão amarrando-o a algumas limitações, a verdade – e a prática – é que a capacidade política tem sido sucessivamente revista, em especial depois de um estudo de Freitas do Amaral (“Governos de Gestão”, publicado em 2002), temos assistido a um caminho que me parece importante. Nenhum país pode dar-se ao luxo de suspender decisões e processos negociais e esta pressão tem-se imposto.

Por exemplo, foi com base nessa doutrina que o memorando da troika foi assinado por um governo de gestão. Ou seja, um executivo de gestão pode fazer muita coisa. Qual o risco, então? Vejamos: na prática, vamos ter um governo em que a maioria dos ministros e secretários de Estado vai estar em campanha até março – primeiro as eleições internas e depois as legislativas -, o que significa que existe uma elevada probabilidade de estes responsáveis políticos terem pouca disponibilidade para tomar qualquer decisão que os exponha junto do eleitorado e comprometa as próprias ambições. Isto é ainda mais provável num cenário em que o primeiro-ministro não é o secretário-geral do partido.

A questão, portanto, é se o Governo está disponível para tratar da vida dos portugueses ou se escolhe tratar da sua própria vida e da sua agenda partidária particular. É importante termos noção de que os atores políticos vão estar envolvidos no processo eleitoral interno e que os quadros responsáveis pelo trabalho mais técnico vão estar sem interlocutor ou decisor. E, no entanto, há tanto a fazer: investimentos públicos, PRR, Portugal 2030 estão na linha da frente. A execução destes programas, incluindo o seu pagamento, não pode parar. Os empresários estão naturalmente muito preocupados com esta travagem súbita – é importante que os portugueses compreendam o que se está passar e juntem a sua voz a esta apreensão.

Temos de conseguir converter os riscos em oportunidades. Isto apenas se consegue com transparência na tomada de decisões, ou seja, com a partilha de informação com o país no sentido de explicar o que está a ser feito e por que está a ser feito. Esta partilha tem necessariamente como moeda de troca o sentido de responsabilidade de quem está do outro lado – ou seja, quem recebe a informação tem de a saber tratar com seriedade, sem politiquice e demagogia. A incerteza global é imensa, a incerteza nacional é grande – a nossa economia só resistirá a este período com ação e determinação. Adiar não é resolver.

P.S. Uma nota final: este período inevitavelmente conturbado exige alguma estabilidade, ações credíveis, previsibilidade e sentido de responsabilidade. O interesse público e nacional devem estar acima da luta partidária para evitar a paralisia de tudo, em especial na administração pública, já que o Estado continua a ser omnipresente em todos os aspetos da nossa economia.