por Armindo Monteiro, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 11.11.2023

A crise é grave e a incerteza é imensa, tudo péssimas notícias. Mas no meio desta tempestade que atravessamos, com a agravante de já não ser assim tão pouco habitual vivermos períodos de extrema complexidade política e não só, quero destacar dois pontos que me parecem fundamentais. Primeiro: o Presidente da República agarrou o problema com toda a determinação. Ouviu quem tinha de ouvir, refletiu sem fugas de informação e em apenas três dias marcou eleições antecipadas; optou ainda por segurar o Orçamento do Estado para 2024, que embora curto e imperfeito, tem a vantagem de não bloquear ainda mais as políticas públicas que, habitualmente, já andam devagar, devagarinho e aos ziguezagues. Sem prejuízo das investigações judiciais em curso, que se espera sejam rápidas e sólidas, sublinho também a forma exemplar como o ainda primeiro-ministro geriu esta crise – destaco a forma exemplarmente institucional como falou em todas as ocasiões e como não hesitou em apresentar a demissão sem delongas. Tenho a convicção pessoal que a honorabilidade de António Costa não está em causa.

E agora vem o dia depois. Vamos ter orçamento, o que é menos mal face ao perigo de paralisia, mas insisto num ponto: a necessidade de as discussões na especialidade acolherem algumas das ideias dos outros partidos e de outras origens. As medidas do Pacto Social que a CIP propôs continuam disponíveis, ganharam atualidade e reforçaram a sua pertinência para construirmos uma forte agenda de crescimento económico, aumento dos rendimentos e simplificação administrativa. Penso que este trabalho que fizemos pode ser útil neste obrigatório processo de enriquecimento e densificação das medidas orçamentais.

O importante para a CIP é que este período pré-eleitoral, e depois na campanha eleitoral propriamente dita, possam evitar as armadilhas habituais: demagogia, leilão de propostas muita vezes sem pés para a andar ou então completamente desajustadas das necessidades económicas e do ciclo económico que vivemos. A situação é má. A recessão está talvez à porta e o próximo ano ameaça trazer mais dificuldades para as pessoas e empresas. Sabemos que o PRR está longe de ter entrado em velocidade de cruzeiro, é fundamental que este processo não perca ainda mais dinamismo. Seria imperdoável que os partidos políticos se perdessem em lutas sem tréguas ao ponto de pôr em causa este vital instrumento de recuperação. Com o investimento público e privado tão vulneráveis, penso que a única alternativa que temos pela frente é sermos todos muito pragmáticos, especialmente a classe política. A aprovação do OE2024, por mais frágil que ele seja, traduz o esforço do Presidente da República nesta possibilidade e exige que os partidos e a administração pública estejam à altura das circunstâncias.

Tudo é economia, como já aqui escrevi. O envolvimento das confederações e dos sindicatos nesta fase do país julgo que pode contribuir para que este período até às eleições possa acrescentar conhecimento real sobre a economia e sobre o que é mesmo preciso fazer. No fundo, penso que é tempo de os partidos e de todos os atores – personalidades e instituições – envolvidos no grande debate nacional que vamos assistir tenham a capacidade para discutirem não apenas promessas eleitorais. Devem (devemos) pôr sobre a mesa o modelo económico sobre o qual temos de assentar o nosso desenvolvimento e futuro. Portugal precisa de criar riqueza, precisa de desenvolver áreas capazes de criar mais valor acrescentado e mais oportunidades para os portugueses e para as empresas no mercado global. Isto não acontecerá se estas eleições resultarem na repetição de slogans cansados e de ideias superficiais.

Uma nota final. O labirinto administrativo e burocrático de Portugal, acrescido da proverbial lentidão de todas as decisões, além de legislação tantas vezes contraditória e obscura, são um incentivo à existência de algum grau de informalidade que pode ter péssimas consequências. Obviamente, isso não é aceitável, porque a economia só funciona se o Estado proporcionar o que os anglo-saxónicos chamam de “level playing field” – um campo de jogo equilibrado para todos, todos mesmo. O Pacto Social da CIP sugere medidas neste sentido. A simplificação das relações entre o Estado, as pessoas e as empresas é outro tema central de discussão nestes quatro meses até às eleições. Convém que sejamos todos exigentes e muito participativos.