por António Saraiva, Presidente da CIP
Publicado no Dinheiro Vivo a 25.09.2021

A poucos dias do levantamento quase total das restrições às atividades e quando se espera a progressiva normalização das condições de procura, as empresas estão a sofrer, do lado da oferta, constrangimentos duríssimos que põem em risco a recuperação.

Para além do aumento dos preços da eletricidade nos mercados grossistas, que, apesar das medidas já anunciadas pelo Governo, não deixarão de se fazer sentir pesadamente na fatura energética dos consumidores industriais, as empresas têm vindo a suportar custos crescentes e dificuldades várias em abastecimentos indispensáveis à produção.

O índice do preço das matérias-primas não energéticas do Banco de Portugal mostra, em agosto, aumentos de 152% relativamente ao mínimo alcançado em abril e de 53% face a fevereiro de 2020, antes do início da crise. Os aumentos são generalizados, desde os metais e minerais (com preços, em média, 67% superiores aos de fevereiro de 2020), às matérias-primas alimentares (com aumentos de 47%). Por trás destas médias escondem-se aumentos da ordem dos 300% em alguns produtos, como me vai sendo reportado por diversas empresas.

A agravar tudo isto está a situação em que se encontra o transporte marítimo, com os preços a quadruplicar desde o período anterior à crise, falta de contentores, mercadorias retidas em portos por falta de ligações, atrasos de meses na receção de encomendas. Todo este descontrolo nas cadeias logísticas afeta não só o abastecimento como as exportações e alastra ao longo das cadeias de valor, em efeito dominó.

Tudo somado, as empresas portuguesas enfrentam uma subida brutal de custos, que se reflete já num aumento homólogo, em agosto, de 11% dos preços de produção industrial, apesar do esmagamento das margens a que são constrangidas para segurar a carteira de clientes. Além disso, a falta, pura e simples, de matérias-primas e componentes põe em causa a capacidade de muitas empresas, de diversos setores, para responderem a encomendas e arrisca levar à necessidade de suspender a atividade.

Estes problemas não são específicos de Portugal. São sentidos a nível mundial. São explicados, em parte, por desequilíbrios nos fluxos comerciais, face às disrupções causadas pela pandemia e à recuperação da procura em alguns mercados, mais forte e rápida do que o que se antecipava. A exacerbá-los está também a especulação: a conjuntura é particularmente atrativa para os agentes financeiros apostarem fortemente na alta dos preços.

Poderia fazer considerações sobre como tudo isto revela vulnerabilidades e dependências que devem ser combatidas através de uma renovada política industrial. Poderia alertar para que não se apliquem soluções que possam trazer efeitos negativos no médio e longo prazo. Seriam considerações sem dúvida úteis do ponto de vista estratégico, mas que não resolvem o problema imediato das empresas.

Não tenho uma varinha de condão para esta situação, que está a desesperar a indústria. Também não pretendo que seja o Estado a resolvê-la. Mas ignorá-la e continuar a agir como se não existisse, não será, certamente, a solução. Exige-se, sim, sensibilidade para o problema e, por isso, que as empresas não sejam continuamente sobrecarregadas com mais carga fiscal, mais burocracia e exigências legislativas absurdas.