Relançamento de uma trajetória de desenvolvimento sustentável tem de passar por uma sólida base produtiva radicada na indústria.

Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 25.01.2020

https://www.dinheirovivo.pt/economia/a-importancia-da-industria/

Depois de uma primeira fase da recuperação da economia portuguesa, marcada pelo forte dinamismo das exportações e pelo aumento do peso dos setores produtores de bens e serviços transacionáveis (nomeadamente a indústria e o turismo) na economia, a evolução observada em 2018 e, sobretudo, em 2019 evidencia um rumo diferente e menos promissor.

De facto, desde finais de 2018, o contributo direto da indústria para o PIB, medido pelo seu valor acrescentado bruto, tem caído consecutivamente, depois de 21 trimestres de crescimento (com exceção do quarto trimestre de 2014).

No terceiro trimestre deste ano, o emprego industrial caiu, depois de 22 trimestres consecutivos de crescimento.

Este retrocesso contraria o que prometia ser um processo de ressurgimento do protagonismo da indústria, depois de mais de uma década de erosão da sua base produtiva. Uma década em que Portugal se fechou num modelo de crescimento baseado na procura interna, incompatível com a dimensão do nosso mercado doméstico e com a intensificação da globalização. Uma década de perda de competitividade da economia portuguesa e de um insustentável crescimento da dívida externa.

Tanto a nível global como a nível europeu reconhece-se, hoje, que o relançamento de uma trajetória de desenvolvimento sustentável tem de passar por uma sólida base produtiva radicada na indústria. Há uma forte ligação entre produção industrial, desenvolvimento tecnológico, inovação e emprego qualificado. Além disso, a indústria constitui o principal elo da integração da economia portuguesa na economia mundial, sendo por isso fundamental para assegurar um saudável equilíbrio externo da nossa economia, capaz de sustentar sólida e duradouramente o desenvolvimento que todos desejamos.

Acresce que os desafios de fundo que enfrentamos, quer ao nível da transformação tecnológica e digital, quer ao nível da sustentabilidade ambiental, são desafios que se colocam de forma muito particular a todos os setores industriais.

Neste contexto, é lamentável a escassez de referências ao setor industrial no relatório que acompanha o Orçamento do Estado para 2020. Olhando para os grandes títulos que estruturam o Programa Orçamental da Economia encontramos secções dedicadas a temas transversais a todo o tecido empresarial. Encontramos, também, secções dedicadas a setores produtivos, mas a indústria foi, incompreensivelmente, esquecida.

Será que o desígnio do relançamento da indústria como setor apto a competir numa economia mundial altamente concorrencial foi, também ele, esquecido?

Teremos esquecido a lição do que foi um modelo de crescimento que privilegiou os setores económicos protegidos da concorrência internacional, em detrimento dos setores abertos a essa concorrência?

No momento em que, na União Europeia, se prepara uma estratégia industrial renovada, Portugal não pode alhear-se da sua própria Política Industrial.