Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 04.02.2017

“À medida que nos damos conta de que a globalização não é o processo irreversível em que muitos acreditavam, apercebemo-nos do risco de aceitar passivamente a fatalidade de cada período de abertura internacional ser seguido por outro de retração nos fluxos de pessoas e mercadorias, de isolacionismo e de conflito.

De facto, não nos faltam sinais de alerta:

Em 2016, o peso das exportações e importações na economia mundial voltou a cair, pelo quarto ano consecutivo. Nunca, desde os anos cinquenta do século passado, se tinha verificado uma retração tão prolongada do comércio internacional.

O Reino Unido parece ter desistido de se manter no quadro do mercado único, após o Brexit, em contrapartida de uma ilusão de soberania reconquistada.

Na maior potência económica mundial, o novo Presidente iniciou o seu mandato com um discurso marcadamente protecionista e tomou já várias decisões nesse sentido, com a retirada dos Estados Unidos do Tratado Transpacífico e o anúncio da renegociação do Tratado Norte-Americano de Comércio Livre, restando poucas esperanças de que o Acordo de Parceria Transatlântica com a União Europeia (TTIP) possa ser concluído com sucesso.

Além disso, são preocupantes as suas declarações sobre a Organização Mundial do Comércio (que classificou como um “desastre”), dando a entender que os Estados Unidos poderão abandoná-la caso seja um obstáculo ao aumento de tarifas alfandegárias.

Se acreditamos que o sistema de mercado é a melhor forma de criar riqueza e de assegurar o progresso, a globalização económica, que mais não é do que o alargamento deste sistema ao espaço planetário, deve ser vista como uma enorme fonte de oportunidades.

Contudo, tal como, a nível nacional, o funcionamento dos mercados requer uma regulação que, nomeadamente, os proteja de abusos e comportamentos anti-concorrenciais, também a globalização necessita de ser orientada por regras.

Mesmo com este tipo de regras, há o risco de a globalização penalizar os trabalhadores com mais fracas qualificações dos países desenvolvidos, sobretudo em sectores que sofrem uma concorrência mais aberta de economias cujas vantagens competitivas repousam em baixos salários.

Sem regras, e sem políticas internas que atraiam novos investimentos e que ajudem os trabalhadores a desenvolver novas competências, a globalização encerra em si própria as raízes da sua destruição, na medida em que as sociedades do mundo ocidental se tornarão mais permeáveis a políticas isolacionistas.

A Europa tem a responsabilidade de contrariar esta tendência, avançando com uma política comercial de abertura ao mundo, enquadrada por regras prudentes e por políticas internas adequadas. Nesta política, importa realçar a importância de uma firme e eficaz defesa contra práticas comerciais desleais de países terceiros, defesa esta que, nos acalorados debates atuais sobre globalização, não deve nunca ser confundida com protecionismo.

Desta forma, a Europa poderá transformar as atuais ameaças em oportunidades, liderar um processo de integração económica através de acordos com parceiros-chave e, assim, reforçar o seu posicionamento na economia mundial.”