Em novembro, em comparação com o mesmo mês do ano anterior, o número de desempregados aumentou pela primeira vez desde julho de 2013.

Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 01.02.2020

https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/mercado-do-trabalho-em-travagem/

Os dados mais recentes sobre a evolução do mercado do trabalho em Portugal, conhecidos esta semana, surpreenderam pela negativa.

Em novembro, em comparação com o mesmo mês do ano anterior, o número de desempregados aumentou pela primeira vez desde julho de 2013 e a estimativa para dezembro aponta para um aumento ainda mais pronunciado (mais 14 800 desempregados do que há um ano).

De acordo com a estimativa (ainda provisória) do INE, teremos chegado ao final do ano com um nível de emprego ligeiramente inferior ao do final de 2018. Ou seja, em 2019 ter-se-á quebrado um ciclo de seis anos ininterruptos de criação líquida de emprego.

Já sabíamos, desde os primeiros meses de 2018, que o dinamismo do mercado de trabalho estava a enfraquecer.

Já sabíamos que o crescimento do emprego, refletindo principalmente a absorção de trabalhadores vindos do desemprego e, em menor grau, o ligeiro aumento da população ativa, iria continuar a desacelerar. O Banco de Portugal previa que, durante os próximos três anos, esse crescimento ainda fosse positivo, embora progressivamente menor, permitindo que a taxa de desemprego continuasse a reduzir-se, embora a um ritmo inferior ao observado nos últimos anos, estabilizando em 5,6% em 2023.

O que os dados do INE nos dizem é que, em vez de um abrandamento suave da criação de emprego, assistimos, nos últimos três meses, a uma travagem abrupta, prenunciando o fim de um ciclo de recuperação do mercado do trabalho e pondo em causa as projeções relativamente favoráveis do Banco de Portugal (e, aliás, da generalidade das organizações económicas internacionais).

Não quero especular sobre os fatores que estarão por trás desta travagem. Certo é que não deixará de afetar o crescimento económico, tanto do ponto de vista da oferta como da procura (dados os reflexos na evolução do consumo).

Já havia alguns sinais de que a evolução se estava a deteriorar: em novembro passado, alertei neste mesmo espaço para a queda de emprego que se estava a observar nos setores abertos à concorrência internacional: na agricultura, nas atividades ligadas ao turismo e na indústria transformadora. Alertei também para a queda significativa de contratos a prazo, que estaria a refletir o arrefecimento da atividade de muitas empresas que deixaram de ter necessidade de recorrer a este tipo de contratos. Seria, assim, o prenúncio de uma inversão de ciclo.

Se, como então afirmei, tudo isto aconselhava uma política económica mais orientada para a produtividade e a competitividade, no presente contexto essa orientação ainda se torna mais premente.

Não é demais insistir que os ganhos de produtividade são condição essencial para que as empresas possam suportar aumentos salariais e criem mais riqueza e mais emprego. Abandonemos, pois, a ilusão, alimentada por muitos, de que aumentos salariais desfasados da evolução da produtividade não têm impacto no emprego.