Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 12.08.2017

“As negociações com vista ao alargamento da plataforma continental portuguesa arrancam esta segunda-feira nas Nações Unidas, ultrapassada que está a primeira fase de um processo que remonta a 2009. Portugal reclama para si a soberania sobre quatro milhões de quilómetros quadrados de área marítima, o dobro da atual, o que equivale grosso modo a cerca de 90% da superfície terrestre da União Europeia. A lograrem-se as pretensões nacionais, Portugal tem aqui a oportunidade de recalibrar o seu eixo estratégico: seremos sempre periféricos em terra, mas podemos voltar a ser centrais no mar.

Se a génese deste reposicionamento está na geografia, é nas mentalidades e na ação que reside o potencial da narrativa. A afirmação da vertente europeísta do país, trouxe inegáveis vantagens em termos de modernização, infraestruturas, desenvolvimento económico e social. Portugal cresceu e amadureceu para ser hoje um país sem pudores nas complexas e intrincadas sociedades do séc. XXI, um parceiro na economia e na geopolítica global. Há hoje uma visão ampla do mundo, particularmente latente nas novas gerações de empreendedores. É com esta aprendizagem, com uma nova mentalidade, que temos de voltar a olhar o mar. Um olhar atualizado, longe de romantismos e saudosismos, longe da visão redutora do mar enquanto ativo de lazer e turismo, sem dúvida importante, mas limitada. Um olhar ‘Mar 2.0’.

Existirão em Portugal, segundo os dados oficiais do INE, mais de 58.000 unidades económicas relacionadas com as indústrias do mar, que empregam mais de 160.000 trabalhadores e geram um valor acrescentado bruto na ordem dos 4,7 mil milhões de euros. Um motor económico que, embora ainda muito aquém do seu potencial, se tem mostrado resiliente, muito mais pela iniciativa destas empresas do que por incentivos ou apoios exteriores a estas indústrias. Nos últimos anos, e de acordo com o Barómetro PwC da Economia e do Mar, atividades como o turismo de cruzeiros, as exportações de conservas ou a carga em portos cresceram a dois dígitos, apesar da forte crise económica do país. Cresceram em contraciclo.

Vivemos hoje aquilo que alguns chamam de terceira etapa da apropriação do espaço terrestre pelos Estados soberanos e que outros apelidam de corrida à última fronteira do planeta. Conhecemos 100% da superfície lunar mas apenas uma ínfima parte do fundo mar e, sobretudo, o potencial deste ecossistema. Às funções mais óbvias, como transporte, portos e logística, construção e reparação naval ou pesca e todos os subprodutos desta indústria, há que somar todo o potencial científico, biotecnológico, energético e mineral.

A intensificação de recursos minerais marinhos nas próximas décadas é incontornável. A descoberta de novas aplicações de organismos marinhos, e das suas potencialidades genéticas e estruturais, em campos como a medicina, farmacologia, cosmética, agricultura ou indústria, é uma promessa. A investigação científica, nos domínios da hidrografia e da oceanografia, uma necessidade. Portugal terá um papel central a desempenhar neste processo, com a instalação nos Açores do AIR Center – Centro Internacional de Investigação do Atlântico. Há que voltar a olhar o mar como o ativo económico e estratégico que é. Uma visão adaptada à economia atual, uma estratégia apropriada à economia que virá.”