No caso do IVA dos partidos, estes decidiram em causa própria e, sobretudo, de forma pouco transparente

 

Leia aqui o artigo de opinião desta semana assinado por António Saraiva na sua coluna semanal do Dinheiro Vivo, ao sábado.
Publicado no Dinheiro Vivo, edição de 06.01.2018

“Em janeiro do ano passado, o Parlamento recusou aprovar a redução em 1,25 pontos percentuais na Taxa Social Única (TSU) das entidades empregadoras, para os trabalhadores abrangidos pelo aumento do salário mínimo.

Tratava-se de uma medida discutida e acordada, em sede de concertação social, entre o Governo e os parceiros sociais, fundamentada na necessidade de sustentar a competitividade das empresas mais afetadas por um aumento do salário mínimo acima de critérios económicos objetivos.

Um ano depois, vimos o mesmo Parlamento aprovar uma lei que alargaria à totalidade de aquisições de bens e serviços a isenção de IVA de que os partidos políticos já beneficiam para atividades relacionadas com a difusão da sua mensagem política ou identidade própria.

Para utilizar a expressão do Presidente da República, tratou-se de uma alteração aprovada sem “fundamentação publicamente escrutinável”.

O contraste destas duas decisões do Parlamento não pode deixar de suscitar alguma perplexidade face ao que parece ser a utilização de dois pesos e duas medidas segundo os interesses em causa: num caso, o interesse das empresas, noutro o interesse dos partidos políticos.

Não ponho aqui em causa o importante papel dos partidos políticos, nem o ponho em confronto com a utilidade social das empresas. Apenas lembro que, no caso do IVA dos partidos, estes decidiram em causa própria e, sobretudo, de forma pouco transparente, ao passo que, no caso da redução da TSU para as empresas, a decisão contrariou um acordo entre legítimos representantes das empresas, dos trabalhadores e o governo, acordo esse que tinha conseguido conciliar interesses divergentes, em sede própria e em diálogo aberto.

Em Portugal, não temos ainda sinais imediatos de ameaças graves à democracia – a nossa cultura faz-nos desconfiar do populismo. Mas também entre nós existe uma crise de confiança, patente na avaliação dos portugueses sobre o funcionamento das instituições políticas. Uma crise de confiança que é preciso contrariar, ao invés de a exacerbar.

O que se passou nos últimos dias mostra que o nosso sistema político tem mecanismos de controlo que funcionam, mas prejudicou a confiança dos portugueses em instituições fundamentais para a democracia – os partidos políticos.

Criticar a sua atuação neste episódio não é uma atitude populista. É, pelo contrário, um alerta para a responsabilidade que os partidos políticos têm de proteger os fundamentos dos sistemas políticos e económicos em que continuamos a acreditar e as causas que defendemos. Protegê-los, precisamente, do populismo.”